Presidente não "perde tempo" com Datafolha, mas perde com golden shower
Jair Bolsonaro afirmou que não vai "perder tempo para comentar pesquisa do Datafolha", publicada neste domingo (7). Ela mostra que ele ostenta a pior avaliação para os três primeiros meses de um primeiro mandato presidencial desde a redemocratização – com 32% de ótimo e bom e 30% de ruim e péssimo.
Bolsonaro, que acredita em um complô dos principais institutos de pesquisa contra ele, ficou especialmente mordido com uma questão que apontou que 58% dos entrevistados consideram-no muito inteligente, enquanto 39% acham ele pouco inteligente. Pois, no mesmo período de governo, Lula marcou 69% e 24% e Dilma 85% e 9%, respectivamente. Naquela época, seus governos contavam com boa aprovação.
O presidente adora repetir João, capítulo 8, versículo 32 ("Conhecerei a Verdade e a verdade vos libertará"), mas talvez não reflita muito sobre as várias possibilidades dessa passagem bíblica. Não deveria desprezar informação, mesmo aquela que o desagrade. E deveria também ler Eclesiastes, capítulo 1, versículo 2 ("Vaidade de vaidades, diz o pregador, vaidade de vaidades! Tudo é vaidade"). Para trabalhar com essa insegurança toda.
Bolsonaro tem o direito de não comentar. Eu diria mais do que isso: seria muito bom para a sua administração, a maioria do país e a saúde de seus assessores se ele se furtasse de fazer comentários que não contribuem para a solução dos problemas nacionais. Temos certeza que, em muitas ocasiões, seu silêncio faria a bolsa subir, o dólar cair e as cerejeiras desabrocharem fora da estação.
O IBGE aponta para 13,1 milhões de desempregados. Ao invés de dizer que isso foi uma herança de administrações passadas (sim, ele não é o culpado por esse número) e apontar propostas para aquecer a economia e gerar emprego, resolve reclamar da metodologia do cálculo de desemprego do IBGE.
O país ostenta quase 64 mil mortes violentas por ano. Ao invés de dialogar com a população mais afetada por isso, ou seja, os mais pobres, construindo políticas para o enfrentamento da criminalidade, resolve mandar celebrar o golpe militar, negando a existência da ditadura, que matou, torturou, estuprou e criou modelos de repressão estatal que estão vigentes até hoje nas periferias das grandes cidades e no Brasil profundo.
O Ministério da Educação foi paralisado por ele ter nomeado um profissional não-qualificado para o comando da pasta após sugestão de um polemista de extrema-direita que acredita que o problema educacional é mais para uma fictícia mamadeira de piroca do que para o aumento nos investimentos. Ao invés de ter substituído rapidamente o ministro e os pupilos do polemista, preferiu brigar com os livros de História dizendo que o nazismo era de esquerda e criticar cartilhas distribuídas para adolescentes cuidarem da saúde de seus corpos porque havia ilustrações de órgãos sexuais.
Bolsonaro não quer "perder tempo" comentando a pesquisa que mostra uma queda consistente em sua aprovação, mas "perde tempo" comentando golden shower no Carnaval e distribuindo fake news sobre jornalistas, como a que atingiu uma repórter do jornal O Estado de S.Paulo. Questão de prioridade, presumo.
Enquanto não perceber que é ele o principal problema do governo e agir como presidente de toda a República e não apenas do Twitter, a reta de aprovação continuará descendente. Pois é isso o que acontece quando se culpa o termômetro pela febre e os outros pela própria insuficiência.
O Congresso Nacional e o poder econômico estão de olho. Se a aprovação cair demais, permanecendo apenas o bolsonarismo-raiz mais alguns grupos religiosos ao seu lado, ele terá que ceder poder à força se quiser continuar no cargo, tornando-se um boneco de ventríloquo – para usar uma expressão de seu filho, o vereador Carlos Bolsonaro. Lembrando que presidentes não são cassados por crimes de responsabilidade, mas porque perderam o chão político.
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