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Leonardo Sakamoto

Presidente não "perde tempo" com Datafolha, mas perde com golden shower

Leonardo Sakamoto

07/04/2019 20h08

Onyx Lorenzoni e o presidente Jair Bolsonaro. Foto: DIda Sampaio/Estadão

Jair Bolsonaro afirmou que não vai "perder tempo para comentar pesquisa do Datafolha", publicada neste domingo (7). Ela mostra que ele ostenta a pior avaliação para os três primeiros meses de um primeiro mandato presidencial desde a redemocratização – com 32% de ótimo e bom e 30% de ruim e péssimo.

Bolsonaro, que acredita em um complô dos principais institutos de pesquisa contra ele, ficou especialmente mordido com uma questão que apontou que 58% dos entrevistados consideram-no muito inteligente, enquanto 39% acham ele pouco inteligente. Pois, no mesmo período de governo, Lula marcou 69% e 24% e Dilma 85% e 9%, respectivamente. Naquela época, seus governos contavam com boa aprovação.

O presidente adora repetir João, capítulo 8, versículo 32 ("Conhecerei a Verdade e a verdade vos libertará"), mas talvez não reflita muito sobre as várias possibilidades dessa passagem bíblica. Não deveria desprezar informação, mesmo aquela que o desagrade. E deveria também ler Eclesiastes, capítulo 1, versículo 2 ("Vaidade de vaidades, diz o pregador, vaidade de vaidades! Tudo é vaidade"). Para trabalhar com essa insegurança toda.

Bolsonaro tem o direito de não comentar. Eu diria mais do que isso: seria muito bom para a sua administração, a maioria do país e a saúde de seus assessores se ele se furtasse de fazer comentários que não contribuem para a solução dos problemas nacionais. Temos certeza que, em muitas ocasiões, seu silêncio faria a bolsa subir, o dólar cair e as cerejeiras desabrocharem fora da estação.

O IBGE aponta para 13,1 milhões de desempregados. Ao invés de dizer que isso foi uma herança de administrações passadas (sim, ele não é o culpado por esse número) e apontar propostas para aquecer a economia e gerar emprego, resolve reclamar da metodologia do cálculo de desemprego do IBGE.

O país ostenta quase 64 mil mortes violentas por ano. Ao invés de dialogar com a população mais afetada por isso, ou seja, os mais pobres, construindo políticas para o enfrentamento da criminalidade, resolve mandar celebrar o golpe militar, negando a existência da ditadura, que matou, torturou, estuprou e criou modelos de repressão estatal que estão vigentes até hoje nas periferias das grandes cidades e no Brasil profundo.

O Ministério da Educação foi paralisado por ele ter nomeado um profissional não-qualificado para o comando da pasta após sugestão de um polemista de extrema-direita que acredita que o problema educacional é mais para uma fictícia mamadeira de piroca do que para o aumento nos investimentos. Ao invés de ter substituído rapidamente o ministro e os pupilos do polemista, preferiu brigar com os livros de História dizendo que o nazismo era de esquerda e criticar cartilhas distribuídas para adolescentes cuidarem da saúde de seus corpos porque havia ilustrações de órgãos sexuais.

Bolsonaro não quer "perder tempo" comentando a pesquisa que mostra uma queda consistente em sua aprovação, mas "perde tempo" comentando golden shower no Carnaval e distribuindo fake news sobre jornalistas, como a que atingiu uma repórter do jornal O Estado de S.Paulo. Questão de prioridade, presumo.

Enquanto não perceber que é ele o principal problema do governo e agir como presidente de toda a República e não apenas do Twitter, a reta de aprovação continuará descendente. Pois é isso o que acontece quando se culpa o termômetro pela febre e os outros pela própria insuficiência.

O Congresso Nacional e o poder econômico estão de olho. Se a aprovação cair demais, permanecendo apenas o bolsonarismo-raiz mais alguns grupos religiosos ao seu lado, ele terá que ceder poder à força se quiser continuar no cargo, tornando-se um boneco de ventríloquo – para usar uma expressão de seu filho, o vereador Carlos Bolsonaro. Lembrando que presidentes não são cassados por crimes de responsabilidade, mas porque perderam o chão político.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.