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Leonardo Sakamoto

Se Crivella não sabe governar quando chove, deveria dar lugar a quem saiba

Leonardo Sakamoto

09/04/2019 15h56

Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo

"Falhamos" e "atrasamos", disse o prefeito do Rio, Marcelo Crivella, sobre a falta de limpeza das galerias para escoamento de água diante das fortes chuvas que atingiram a cidade, nesta segunda (8) – que deixaram mortos por soterramento, afogamento e eletrocussão. "Não fomos prudentes", também disse ao reconhecer que não posicionou equipes de atendimento perto aos conhecidos pontos críticos. "São imprevistos", afirmou diante de um novo desabamento da ciclovia Tim Maia.

Não se trata de falha, atraso e imprudência. O prefeito quer nos fazer crer que foi apenas incompetente e ignorante ao não se antecipar aos impactos da tempestade. O que é um absurdo dado que, aparentemente, ele não é inimputável.

Mas não. Ele tinha em mãos as informações sobre o clima, os recursos humanos e técnicos para reduzir seu impacto junto à população e a experiência de quem já passou por outras situações semelhantes. E nem era necessário resgatar tragédias mais antigas, basta lembrar das sete mortes estúpidas nas chuvas de fevereiro.

Sabia, portanto, que sua ação evitaria uma tragédia maior, talvez salvando vidas. E demorou para agir mesmo assim.

Chamamos equivocamente de "desastres naturais" as mortes causadas por inundações, deslizamentos, entre outros eventos. Mas não há nada de natural nisso, pois é possível prever e reduzir o sofrimento causado.

A retirada da população de um local, com antecedência, e a recolocação em outro, de forma decente e digna, é um exemplo.A melhoria estrutural de uma comunidade para evitar um deslizamento, é outro.Obras de drenagem e de desassoreamento e limpeza das calhas dos rios e córregos, evitando que pessoas sejam arrastadas são bem conhecidas. Reportagem de O Globo revelou que a Prefeitura do Rio não gastou um centavo este ano com drenagem urbana e contenção de encostas.

Sem falar na adoção de sistemas de alertas decentes, emitidos horas ou dias antes – nesta segunda, sirenes não tocaram como deveriam em locais onde pessoas morreram. Ou em reconhecer que a ação humana mudou o clima do planeta de forma irreversível, tornando mais frequente episódios extremos, como tempestades tropicais, furacões, secas, nevascas. Governos conscientes ao redor do mundo não estão confiando totalmente em registros pluviométricos históricos para implementar políticas de prevenção. Afinal, a realidade agora é outra.  

Esses processos já contam com tecnologia avançada e disponível há muito tempo. Mais do que investimentos caros, demandam gestão e organização dos recursos humanos para o uso correto da informação. Se não são implantados é por irresponsabilidade.

A Câmara dos Vereadores do Rio discute o processo de impeachment de Crivella por suposta improbidade administrativa e crime contra a administração pública devido à prorrogação sem licitação de uma concessão que autoriza agências de publicidade a usarem propaganda em equipamentos públicos.

Mas a inação consciente que o próprio prefeito assume diante de uma cidade que mata seus moradores, repetidas vezes, toda vez que chove forte, deveria ser razão suficiente para a sua cassação.

Como repito sempre neste espaço, não precisamos de governantes otimistas, que acreditam na possibilidade de chover menos, ou de administradores religiosos, que rezam por uma trégua dos céus, terceirizando a responsabilidade para Deus. E sim de gente que espera o pior e age preventivamente, não culpando as forças do universo pelo ocorrido, muitos menos a estatística e a meteorologia. Falhas neste caso custam vidas.

Um "mandei mal, desculpa aí" não deveria bastar para a população do Rio. Não mais.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.