Governo trata questão indígena e protesto social como casos de polícia
O general Augusto Heleno pediu e o ministro Sérgio Moro autorizou o uso da Força Nacional na Praça dos Três Poderes e na Esplanada dos Ministérios por 33 dias a partir desta quarta (17). Ao justificar que o objetivo é "desencorajar violência em atos", o governo mostra uma visão enviesada a respeito de manifestações da sociedade civil e deixa claro que protestos que não sigam sua ideologia, nem batam palmas para sua cúpula, são casos de polícia.
Na mira da Força Nacional, está o Acampamento Terra Livre, que reúne lideranças indígenas de todo o país, anualmente, em Brasília. Claro que, para eles, esse tipo de tratamento não é novidade – vêm tomando cacete e sendo expulsos por brancos há uns 519 anos. Mas também há manifestações programadas contra a Reforma da Previdência.
Nenhum distúrbio causado por algumas pessoas em meio a centenas de milhares é justificativa para tratar movimentos inteiros como um risco à ordem pública.
O pedido preventivo reforça que a tuitada do presidente da República – de que "sempre será favorável à liberdade de expressão, direito legítimo e inviolável" – não vale uma golden shower. Bolsonaro está tentando capitalizar a crise causada pela bizarra censura baixada pelo Supremo Tribunal Federal a uma reportagem que citava Dias Toffoli, mas não tem muita moral nessa área. Até assédio direcionado a jornalista ele já faz no cargo, espalhando mentira sobre uma repórter do jornal O Estado de S.Paulo, além de excitar periodicamente o pessoal da Fé Militante nas redes sociais contra a parcela da imprensa que fiscaliza seu governo.
Ironicamente, enquanto o governo chama contingentes para proteger prédios de Brasília de protestos de povos do campo, povos do campo são assassinados no interior do país. A tortura e chacina de seis pessoas, entre elas, Dilma Ferreira Silva, coordenadora do Movimento dos Atingidos por Barragens, em Tucuruí (PA), em março, a mando de um fazendeiro é um exemplo de problema estrutural. Três pessoas teriam sido mortas porque denunciariam trabalho escravo ocorrido em suas terras. Outros três porque o produtor rural queria ficar com as terras do assentamento onde viviam.
Pipocam execuções e chacinas aqui e ali. Indígenas no Mato Grosso do Sul, Estado em que o conflito fundiário ferve e, portanto, serve de termômetro, relatam ameaças de morte.
Dez trabalhadores rurais sem-terra foram executados na fazenda Santa Lúcia, localizada em Pau D'Arco (PA), em maio de 2017. Foram acusados policiais militares e civis. No mesmo dia, Michel Temer autorizou o uso das Forças Armadas contra os manifestantes que ocuparam a Esplanada dos Ministérios contra as Reformas Trabalhista e da Previdência. Ou seja, a contradição não é de agora. Muito menos a violência no campo, que atravessou todos os governos desde a fundação do país – incluindo, as administrações do PT e PSDB.
Mas as lideranças sociais e ambientais que atuam na Amazônia e que mantém contato constante com este blog são unânimes em afirmar que, com a chegada de Bolsonaro ao poder, a sensação de "tudo pode" é generalizada entre grandes proprietários rurais, grileiros e desmatadores. Tudo, inclusive matar.
Produtores rurais e extrativistas gananciosos estão com sangue nos olhos. Sentem-se fortalecidos por verem na atual administração federal um aliado para suas demandas. Eles garantem a manutenção do governo e, em troca, negociam perdões bilionários, como o do Funrural, e apoio para sua pauta de retorno ao feudalismo. Querem mudar as regras da demarcação de territórios indígenas, suprimir ainda mais a proteção ambiental, "flexibilizar" as regras para a implantação de grandes empreendimentos, enfraquecer o conceito de trabalho escravo contemporâneo, atenuar a punição para as piores formas de trabalho infantil. E, principalmente, desejam manter sob seu domínio a terra que, muitas vezes, grilaram da coletividade ou roubaram de comunidades tradicionais.
O governo diz que quer "pacificar" o país. Mas dá indícios que deseja é a guerra com uma parte de seu próprio povo.
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