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Leonardo Sakamoto

Bolsonaro critica militares de seu governo pela boca de Olavo de Carvalho

Leonardo Sakamoto

22/04/2019 03h35

Olavo de Carvalho atacou novamente os militares que fazem parte da cúpula do governo Jair Bolsonaro. Mas, desta vez, o vídeo foi publicado no próprio canal do presidente da República no sábado (20), sendo apagado apenas no dia seguinte.

Mesmo que o vereador Carlos Bolsonaro tenha acesso às contas de redes sociais do pai, o presidente havia dito que as postagens têm 100% de sua concordância. Ou seja, ele deve concordar que "os milicos têm que começar por confessar os seus erros antes de querer corrigir os erros dos outros" – uma das frases do escritor e polemista no vídeo.

Não é novidade o descontentamento de Bolsonaro com seu vice, general Hamilton Mourão, que tem adotado uma linha mais pragmática, racional e madura do que ele, o que atrai a simpatia de parte da elite política e econômica. Isso tem gerado conflitos com a ala de extrema direita de seu governo e o seu guru, Olavo de Carvalho.

A menos que venha a público um pedido de desculpas pelo ocorrido, o que vai ficar registrado à população é que o presidente endossou uma crítica pública à ala militar do governo. Com isso, mostra-se um presidente frágil, que ora fica em silêncio diante das disputas internas de seu time, ora não tem coragem de expressar sua insatisfação diretamente e se aproveita de declarações de outras pessoas.

Olavo de Carvalho já chamou os militares do governo Bolsonaro de "bando de cagões". Além de Hamilton Mourão, ele demonstra especial afeto pelo general Santos Cruz, ministro-chefe da Secretaria de Governo. Afirmou que ele "é apenas um monstro de auto-adoração e empáfia", que "obviamente só pensa em si mesmo" e que "simplesmente não presta".

Além de ter indicado dois ministros hipossuficientes – Ernesto Araújo (Relações Internacionais) e Ricardo Vélez (agora ex da Educação), Olavo estava funcionando como um grilo falante da ala mais ideológica do governo. Com suas críticas publicadas no canal de YouTube do próprio presidente, torna-se porta-voz.

Há uma disputa entre a ala militar e a ideológica neste momento, com uma vantagem do grupo mais estridente. A primeira tenta aparar as arestas extremistas do presidente e defender os interesses das Forças Armadas. A segunda, deseja ver o circo pegando fogo, porque, da cinzas, ressurgiria um novo Brasil. Ou, ao menos, as chamas manteriam os seguidores piromaníacos alertas para defender o governo diante de sua, até agora, incompetência. Acredita que Bolsonaro teria a maioria da população a seu favor se quiser refundar a República.

Até agora, o escritor tem sido útil para a Presidência da República, pois gera os ruídos junto à esfera pública que ela precisa para governar. Mas é Jair quem decide em última instância e é dele, e não do polemista ou de Carlos Bolsonaro, a responsabilidade pela nomeação de ministros ruins, postagens agressivas em redes sociais e por um governo que não deslancha.

Com a anuência do fogo-amigo da própria Presidência da República, surpreende o sangue frio dos militares até agora, que seguem considerando Bolsonaro inimputável pelo que acontece. Mas o que acontece quando eles, de fato, se irritarem é uma incógnita.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.