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Leonardo Sakamoto

Bolsonaro se torna garoto-propaganda de um governo sem políticas de emprego

Leonardo Sakamoto

03/05/2019 11h33

Bolsonaro durante evento evangélico em Camboriú (SC). Foto: Alan Santos/PR/AFP

O aumento na reprovação ao seu governo, detectada pelas pesquisas Datafolha e Ibope, no mês de abril, deveria levar a uma reflexão a respeito da razão dessa queda e por que uma parte da população, principalmente quem ganha até dois salários mínimos por mês, está perdendo a paciência com o presidente. E, a partir daí, concentrar esforços em ouvir e atender as demandas desses grupos – que, convenhamos, são sempre mais urgentes porque dizem respeito à sobrevivência.

O governo Bolsonaro, contudo, optou por aumentar a exposição do presidente na mídia tradicional e nas redes sociais, através da participação em eventos com cobertura da imprensa e na concessão de entrevistas a youtubers, sem trazer nada de novo sobre o combate ao desemprego. A tática aposta na sua capacidade de falar diretamente à população para reverter a queda na aprovação. A preocupação principal é o trâmite da Reforma da Previdência.

Aposta, com isso, no sucesso do mensageiro, não na força da mensagem. Bombar Bolsonaro como garoto-propaganda dele próprio e das medidas polêmicas de sua administração é jogada de efeito incerto, pois o sucesso de um governo depende do impacto de suas ações na vida das pessoas.

Devido à quantidade de barbeiragens e bobagens produzidas nos quatro primeiros meses do ano, da divulgação de golden showers à redução do programa Mais Médicos, em um contexto de ausência de políticas de geração de emprego, seu governo queimou rapidamente o capital de boa vontade que é conferido a todos os governantes em início de mandato.

Entre aqueles que têm renda de até um salário mínimo, Bolsonaro enfrentou uma queda de 34% com relação ao apoio que mantinha no início do seu mandato, segundo pesquisa Ibope, atingindo 27%. E uma queda de 31% entre o apoio que tinha no início do ano e agora, entre os que recebem entre um e dois salários mínimos, atingindo 33%. A variação negativa na região Nordeste, que reúne Estados com renda mais baixa, foi de 40%.

Entre os que ganham mais, ele caiu, mas nem tanto. Bolsonaro conta com aprovação de 41%, de quem ganha entre dois e cinco salários mínimos, e de 45%, dos que recebem mais de cinco salários mínimos mensais.

O Datafolha, também de abril, traz números semelhantes: entre aqueles com renda de até dois salários, 26% aprovam o governo, índice que sobe para 36% na parcela de quem tem renda familiar de dois a cinco salários, para 43% de quem tem renda de cinco a dez salários e 41% acima de dez salários

Melhor faria Bolsonaro se usasse esses espaços para lançar uma política nacional para geração de emprego, com medidas possíveis a serem adotadas no curto prazo. Hoje, o governo praticamente condiciona a criação de postos de trabalho à aprovação da Reforma da Previdência, da Reforma Tributária e da privatização da maior quantidade possível de empresas públicas – processos complexos que não dependem apenas dele. E seu atual ministro da Educação prefere reclamar de gente "pelada" em universidades federais do que convidá-las a desenvolver  programas de (re)qualificação da mão de obra, para aumentar nossa produtividade.

É essa música que a população mais pobre quer ouvir, a do emprego e da educação, e não a cantilena besta da guerra cultural – para a qual, sinceramente, não dá a mínima importância. Para uma imensa massa de trabalhadores, o presidente pode empreender a cruzada ideológica que quiser, desde que melhore a qualidade de vida dos mais pobres no curto prazo. Pragmáticos? Claro! Em 2006, o pragmatismo, por exemplo, passou por cima das denúncias do Mensalão e reelegeu Lula diante de uma economia em crescimento.

A desconfiança da população tem razão. Por exemplo, o governo concede entrevistas defendendo que a proposta de mudar o pagamento do abono salarial na Reforma da Previdência, mantendo-o para quem ganha até um salário mínimo por mês e não dois, como é hoje, visa a destinar os recursos para pessoas ainda mais pobres. Mas não diz como fará isso. A experiência da população brasileira mostra que quando uma política pública é reduzida em nome do combate à "desigualdade", o recurso acaba privilegiando alguém que não precisa. O governo poderia propor que essa diferença economizada fosse para garantir os R$ 400,00 a idosos em situação de miséria a partir dos 60 anos de idade, como propôs na mudança do BPC. Mas mantendo o direito a um salário mínimo aos 65 anos, como é hoje, e não apenas aos 70 anos – como defende. Seria uma forma de garantir dignidade a quem menos tem. Se essa for a intenção do governo, claro.

A ideia de que a reforma vem apenas para combater privilégios ainda não colou e a população mais pobre segue preocupada com mudanças no BPC (a assistência paga a idosos em situação de miséria), na aposentadoria rural especial, no pagamento de pensões a órfãos e viúvas pobres, na redução do valor pago a quem se aposenta pelo mínimo de contribuição, com os 20 anos de contribuição obrigatória ao invés de 15, entre outras medidas de impacto junto aos mais vulneráveis.  

Além de defender uma Reforma da Previdência que ele mesmo não acredita, o discurso de Jair Bolsonaro reforça, dia após dia, a crença de que o governo foi eleito para uma cruzada a fim de livrar o Brasil de posicionamentos e pautas progressistas, que seriam – segundo eles – a fonte do mal. É papel de Bolsonaro e assessores convencerem a opinião pública que a população brasileira lhes deu mandato para liberá-la do socialismo, do marxismo, do "globalismo", do "gayzismo", do "coitadismo", do "abortismo", do "mimimismo" e qualquer outra fantasia que viralize nas redes sociais a partir de sua ilimitada criatividade e a de seus parceiros da extrema direita internacional.

Mas o grosso dos quase 57,8 milhões votos do presidente não eram de extrema direita e escolheram-no pela esperança de ter mais segurança e mais emprego (lembrete: são 13,4 milhões procurando trabalho). Apostaram que aquele que se anunciou como o destruidor do sistema traria respostas que o sistema não seria mais capaz de dar.  A vontade de renovação para resolver esses problemas foi a razão principal no voto no eleito e não a implantação de uma sharia cristã no país.

A popularidade de Bolsonaro pode ter até uma leve melhora com a superexposição midiática, mas ela só voltará a crescer se conseguir reduzir significativamente o alto desemprego. Que, como sempre repito, não é responsabilidade de seu governo – ele é culpado por não ter apresentado uma política nacional para revertê-lo.

Deveria, portanto, se preocupar em suas participações em explicar como irá fazer isso, de preferência sem jogar a conta nas costas dos mais vulneráveis e sem cortar mais direitos. Se for capaz disso, claro.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.