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Leonardo Sakamoto

Barraco de olavistas e generais é parte da estratégia de poder de Bolsonaro

Leonardo Sakamoto

07/05/2019 18h28

Foto: Alan Santos/PR

Os últimos ataques do polemista Olavo de Carvalho aos generais que fazem parte do governo Bolsonaro e as respostas a ele, principalmente as do general Villas Bôas, são ruins para a agenda nacional, mas úteis à agenda do presidente.

Um governo que opera em modo de destruição, inclusive autodestruição, não teria o risco de dar certo se o critério de avaliação fosse a execução de um projeto de país. Mas do ponto de vista de um projeto de poder, não.

A família Bolsonaro subverteu a ideia de dividir para conquistar, aplicando-a não apenas aos inimigos, mas também aos próprios aliados. Evita, dessa forma, que surja qualquer pessoa capaz de lhe tomar o poder – o que inclui uma boa dose de paranoia, claro. De Moro a Mourão, quem tenta voar sem autorização é abatido por fogo amigo.

Os tuítes que acusam o vice de traidor podem partir de Carlos Bolsonaro e Olavo de Carvalho. Mas não são uma reação destemperada do responsável pelas redes sociais da Presidência da República e do guru intelectual (sic) do governo e sim algo que vai ao encontro da opinião do patriarca, insatisfeito com o protagonismo que o general vem assumindo e à possibilidade dos militares serem vistos como alternativas a ele. Para além de implantar uma agenda reacionária, há um projeto, que é a própria manutenção desse grupo familiar no poder.

O que Bolsonaro não pode falar, falam seus filhos. Se eles não podem, manifesta-se sua rede de apoio ideológica dentro do governo. Quando isso não é desejável, declarações de Olavo de Carvalho preenchem o vazio. O polemista é útil pois atua como um grilo falante do governo e um porta-voz do lado B. Será chamado de referência e exemplo por eles enquanto servir ao seu propósito.

Esse núcleo familiar tem que, a todo o tempo, garantir que ninguém com possibilidade real de poder tenha chão sólido. Toda opção, mesmo que fantasiosa, é sistematicamente sufocada por eles. Nesse sentido, Mourão continua sendo o principal inimigo, apesar das hipocrisias dos afagos públicos.

Não há, nesse sentido, institucionalidade possível. Há um ataque sistemático ao Congresso Nacional, ao Supremo Tribunal Federal e ao próprio Poder Executivo, na forma da vice-presidência da República e do poder de ministros de Estado. Natural que, tendo Bolsonaro tido sucesso na caminhada à Presidência com a ideia de guerra a tudo e a todos, queira mantê-la durante seu mandato.

A declaração que mais mostra essa concepção de poder é a do deputado federal Eduardo Bolsonaro, em uma palestra, no ano passado, de que bastaria um cabo e um soldado para fechar o STF. Para eles, poder não é apenas ter influência, hegemonia cultural ou estar bem posicionado em uma teia de relações políticas, mas é demonstrar força.

É difícil prever até onde vai o arranca-rabo entre olavistas e militares ou, em português claro, até quando Bolsonaro consegue ser o árbitro desse circo. Enquanto isso, ele se mostra como a pessoa capaz de colocar ordem no barraco.

Parte da população aturdida com o processo de impeachment e a crise econômica, mas também com as notícias de perdões bilionários aos mais ricos e a comercialização de votos de deputados federais para salvar Michel Temer, deixou de acreditar na coletividade e buscou construir sua vida tirando o Estado da equação.

Essa população cozinhou sua insatisfação em desalento, impotência, desgosto e cinismo. Isso não estoura em manifestações com milhões nas ruas, mas corrói a crença nas regras e instituições que nos mantém como país. Nos últimos anos, muitos deixaram de confiar na política como arena para a solução dos problemas cotidianos, o que é equivalente a abandonar o diálogo visando à construção coletiva. Caídas em descrença, instituições vão levar muito tempo para se reerguerem – e isso, se conseguirem.

Tudo isso abriu espaço para figuras que se vendem como capazes de botar ordem no barraco – apesar de estar longe de conseguirem cumprir a promessa. O interessante é que, neste caso, seu governo e amasiados criam as próprias polêmicas que, depois, vão consertar. Eles são situação e oposição, alfa e ômega. E para eles, isso é bom, pois controlam o processo.

Acostumada a sobreviver do conflito e não no diálogo, Bolsonaro e filhos tentam mostrar a seus fãs que o mundo é caótico e só uma liderança populista, carismática e conservadora garantirá a travessia em meio ao tumulto. O problema é que o custo humano e material desse processo tende a ser impagável no longo prazo.

Na disputa entre a ala militar e a ideológica neste momento, há uma vantagem do grupo mais estridente. A primeira tenta aparar as arestas extremistas do presidente e defender os interesses das Forças Armadas. A segunda, deseja ver o circo pegando fogo, porque, da cinzas, ressurgiria um novo Brasil. E, enquanto isso, as chamas mantem os seguidores piromaníacos alertas para defender o governo diante de sua, até agora, incompetência. Acredita que Bolsonaro teria a maioria da população a seu favor se quiser refundar a República.

É falsa a dicotomia de que há uma parte de estratégia organizada e uma parte de loucura e disfuncionalidade.

A estratégia organizada é a loucura e a loucura é a estratégia organizada.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.