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Leonardo Sakamoto

Ao xingar estudantes de imbecis, Bolsonaro demonstra que educação faz falta

Leonardo Sakamoto

15/05/2019 15h50

Protesto na avenida Paulista, em São Paulo. Foto: Raquel Landim/Folhapress

"Idiotas úteis", "imbecis", "massa de manobra." Foi assim que Jair Bolsonaro classificou quem está participando das manifestações contra a redução do orçamento da Educação nesta quarta (15).

Estudantes e professores, do ensino básico ao superior, de instituições públicas e privadas, protestam nas ruas e em suas escolas, em todas as unidades da federação, contra os cortes anunciados pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub, e os ataques ideológicos às instituições de ensino.

A declaração foi dada em Dallas, no Texas, onde o presidente deve receber uma homenagem. Originalmente, ela estava prevista para ocorrer em Nova York, mas Bolsonaro acabou desistindo por conta dos protestos contra sua ida motivados por suas declarações de cunho homofóbico e contra o desenvolvimento sustentável.

"É natural [que haja protesto], agora a maioria ali é militante. Se você perguntar a fórmula da água, não sabe, não sabe nada. São uns idiotas úteis, uns imbecis, que estão sendo usados como massa de manobra de uma minoria espertalhona que compõe o núcleo de muitas universidades federais no Brasil", afirmou o presidente, segundo registro de Marina Dias, da Folha de S.Paulo.

Bolsonaro faz parte do grupo de políticos que não está habituado a lidar com o contraditório de forma tranquila. Mas ao fazer isso, em um dia de mobilização nacional de um tema simpático à maioria da população, demonstra uma incrível falta de tato.

Ao xingar abertamente estudantes e professores que questionam a falta de uma política nacional para a Educação, o presidente demonstra acreditar ter recebido um cheque em branco nas eleições de outubro do ano passado. Ignora o fato que ele não governa apenas para seus seguidores nas redes sociais e em nome de seu projeto de poder, mas é presidente de todos os brasileiros.

Ao atacar quem está indo às ruas pedir educação de qualidade, interdita o debate sobre a construção do futuro e põe a democracia no pau de arara.

Estudantes que resolvem refletir e se organizar pela melhoria da educação não são "idiotas", nem "imbecis". Pelo contrário, reside neles a esperança da criação de uma nova forma de fazer política – ao contrário dos simulacros toscos que se chamam de "novo" mas cheiram a anacronismo. Burrice é atacar esses estudantes por medo da realidade mudar.

Burrice, aliás, não é desconhecer a fórmula da água. Isso é consequência de problemas estruturais da educação brasileira. Como disse no post anterior, o Brasil conta com alunos que saem do ensino médio analfabetos funcionais, assiste a roubo, ausência e baixa qualidade da merenda escolar, paga baixos salários aos professores e não fornece estrutura suficiente – situação que não começou com Bolsonaro, mas para a qual ele não apresentou nenhuma proposta de mudança até agora.

Burrice é o desprezo pelo conhecimento. Burrice é atacar quem busca o aprendizado. Burrice é encarar preconceitos violentos como sabedoria.

Como já disse aqui, a burrice, montada na soberba, tacha os que discordam de sua visão de mundo como mal informados, comprados ou manipulados sem apresentar dados que corroborem a crítica. Burrice sempre tenta destruir, de forma violenta, o conhecimento que ameaça jogar luz sobre sua própria escuridão. Burrice, diante de um questionamento, foge, dizendo que outra pessoa ou partido também faz a mesma coisa. Burrice não aceita a existência de qualquer fato que vá na direção contrária de sua crença. Diante de denúncias ou críticas baseadas em fatos, brada que tudo é "notícia falsa" por não admitir o conteúdo. Essa burrice, que não aceita a existência da realidade, ocorre da direita à esquerda, ou seja, não é monopólio de ninguém.

Mas essa burrice, que busca a guerra e não o diálogo, tem cura. E ela é encontrada principalmente nas escolas e universidades, onde deveria haver liberdade para discutir valores com respeito à divergência e à ética, sem que a saída seja humilhar e destruir o interlocutor.

Pelo menos, por enquanto.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.