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Leonardo Sakamoto

Bullying de Bolsonaro sai do ambiente digital e ganha as ruas neste domingo

Leonardo Sakamoto

22/05/2019 09h05

Bolsonaro testa metralhadora em Israel

Manifestações públicas do desejo ou do descontentamento popular fazem parte da democracia e devem ser defendidas. Quem é incapaz de entender isso tacha cidadãos de "idiotas úteis", "imbecis" e "massa de manobra". O que não faz parte é o discurso que prega o fechamento do Congresso Nacional e a deposição de ministros do Supremo Tribunal Federal. Justificar-se que, em uma democracia, há o direito de atacar a própria democracia é uma falácia para esconder – de forma covarde – um comportamento golpista.

A rede de apoiadores de Jair Bolsonaro tem todo o direito de se manifestar pela Reforma da Previdência, pelos projetos de Sérgio Moro, pelas proposta de reestruturação administrativa do governo federal. Mas sabemos que não é apenas isso o que parte deles deseja devido ao teor dos convites que circulam nas redes sociais e aplicativos de mensagens – que defendem derrubar instituições que levamos décadas para reerguer porque elas se colocam, corretamente, como freios e contrapesos ao comportamento do presidente. Ou seja, por cumprirem seu papel constitucional de limitar poderes em uma República.

Muitos propõem uma reedição de práticas mais nefastas da ditadura. E só não defendem a "intervenção militar constitucional", forma envergonhada de falar sobre um golpe, como faziam quando tentaram sequestrar a pauta da greve dos caminhoneiros, em maio do ano passado, porque sabem que a cúpula das Forças Armadas não compactua com esse tipo de excentricidade.

O presidente poderia vir a público e criticar duramente essa faceta da convocações, dizendo que é um absurdo completo e que  isso não tem e nunca terá seu apoio. Mas não veio.

Bolsonaro parece não saber ou ter nojo de fazer política, que é a arte de encontrar soluções pacíficas para conflitos e buscar formas coletivas de construção da sociedade, garantindo a divisão racional e solidária dos limitados recursos disponíveis. Balcão de venda de cargos e emendas não é política, mas crime. O que faz sentido porque, em 28 anos de Congresso, especializou-se em promover a cisão.

Enquanto não entrega soluções para o desemprego de 13,4 milhões ou para um país em que metade das escolas não está ligada à rede de esgotos, ele e parte de seus apoiadores, nativos ou robôs, cometem um intenso bullying digital contra jornalistas, políticos, economistas, movimentos sociais e qualquer um que critique sua política medieval em costumes e comportamento. Agora, diante de impasses no Congresso, o bullying transborda para fora das telas de computadores e smartphones e pode ganhar as ruas.

Por mais que tenha anunciado que não irá às manifestações de domingo, Bolsonaro as usa como instrumento de pressão de sua vontade. Não pelas pautas que a população trará, mas pelas ameaças à própria institucionalidade cometidas por parte daqueles que convocam para o evento alinhados às necessidades presidenciais.

Bolsonaro manteve sua comunicação no mesmo estado bélico com o qual ganhou as eleições, apostando em uma guerra prolongada para manter os apoiadores unidos contra o "inimigo". Que, a princípio, é personificado na esquerda, mas abrange todos aqueles que se oponham à sua família – o que inclui deputados federais e senadores (aliados ou adversários) e ministros do STF. E com a delicadeza de um elefante bailando em uma ala de cristais, ele vai usando seu cargo em nome de um projeto de poder e não de país.

Qualquer democracia no mundo precisa de pessoas que conheçam bem as regras e leis e tenham paciência para dialogar, costurar saídas, levar um grupo a ceder aqui, o outro ceder ali e conviver com posições contrárias. A democracia é o cumprimento das decisões da maioria, desde que respeitada a dignidade da minoria. Ignorar isso não apenas esgarça instituições, como pavimenta o caminho para um Estado autoritário.

O que acontece quando o diálogo é substituído por coação? A pressão popular é e sempre foi legítima para influenciar no processo parlamentar, apesar de governos serem truculentos com movimentos que não lhe são simpáticos. Mas quando o chefe do Poder Executivo acha que pode jogar seus seguidores para ameaçar parlamentares e magistrados, usando não apenas o WhatsApp e as redes sociais, mas as ruas, temos a troca da negociação pelo autoritarismo.

O Congresso Nacional é o local para que conflitos sejam resolvidos dentro de regras, onde saídas são costuradas, evitando assim que diferentes grupos sociais entrem em embate direto no resto do país. Nosso parlamento é, por vezes, uma tragédia disfuncional, mas nem por isso é justificativa para ser subvertido – ruim com ele, pior sem.

Uma coisa é ter opinião. Outra é gente que acha que a Constituição Federal é papel higiênico e as instituições democráticas são um grande vaso sanitário. E defende que seu ponto de vista seja aplicado à força, invadindo o parlamento, cassando ministros do Supremo Tribunal Federal sem processo legal, enfiando goela seus desejos em prejuízo à liberdade e à dignidade do restante da população.

O presidente tem demonstrado falta de competência para fazer o papel para o qual foi eleito, desgastando a paciência da maioria da população. O povo não quer tuíte sobre golden shower, mamadeira de piroca e comunismo, mas saber dele como vai fomentar postos de trabalho formais para 13,4 milhões de desempregados e garantir esgoto à metade das escolas que não contam com o serviço no país.

E encastelado por suas próprias decisões, fomenta movimentos polêmicos que empurram o país para o precipício. É impossível governar fazendo bullying na democracia. Esperemos que Bolsonaro perceba isso antes que seja tarde demais.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.