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Leonardo Sakamoto

Guedes apela (de novo) para chantagem e governo Bolsonaro imita o de Temer

Leonardo Sakamoto

24/05/2019 20h21

Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

Não é a primeira vez que o ministro da Economia Paulo Guedes adota a chantagem como instrumento de pressão pela aprovação da Reforma da Previdência. Desta vez, em entrevista à revista Veja, disse que, se sua proposta por desidratada a ponto de virar uma "reforminha", ele pega um avião e vai morar no exterior. Lembrou, inclusive, que já tem idade para se aposentar – o ministro tem 69 anos.

(O ministro fala que já tem idade para se aposentar. Mas caso fosse um idoso em situação de miséria e sua proposta de reforma tivesse sido aprovada, ele teria que esperar mais uns meses até atingir 70 anos e ter direito ao salário mínimo mensal do Benefício de Prestação Continuada (BPC). A proposta que Guedes enviou ao Congresso Nacional sobe de 65 para 70 anos a idade para receber a assistência de um salário e, em troca, oferece um pagamento de R$ 400,00 dos 60 aos 69.)

No dia 25 de março deste ano, por exemplo, Guedes também chantageou pela Reforma da Previdência. Afirmou que se ela não for aprovada, os salários dos servidores públicos deixarão de ser pagos, bem como as aposentadorias. O recado foi enviado às categorias de funcionários públicos que têm se mobilizado contra a reforma. "Primeira coisa que vai acontecer é a interrupção do pagamento de salários."

Como já disse aqui, o ministro é pessoa inteligente, não precisa usar esse tipo de argumentação. Ela já se provou ineficaz e apenas acirra os ânimos.

Além disso, esse tipo de declaração o aproxima da gestão Michel Temer, que adotou a chantagem como instrumento de convencimento. De campanhas na TV com ameaças explícitas, passando por declarações da cúpula do governo, de que as próximas gerações vão ranger os dentes e que não haverá recursos para as pensões, a aliados afirmando que o país mergulhará num inferno sombrio de dor, o governo Temer usou do expediente para tentar passar à força a sua reforma.

A população ainda espera um debate aberto e franco de seu governo sobre a Previdência, um debate que explique o tamanho do ajuste fiscal, apresente os cálculos sobre o envelhecimento da sociedade e analise todas as fontes possíveis de financiamento das aposentadorias e da seguridade social.

O problema é que o governo Bolsonaro diz que a reforma vai retirar privilégios, enquanto protege militares e que ela vai atingir apenas os mais ricos – e planeja dificultar a vida de idosos em situação de miséria, trabalhadores rurais e viúvas e órfãos pobres. E não se apresenta para debater com a população, apenas com entidades empresariais e investidores.

Enquanto isso, o governo lança uma campanha orçada em R$ 37 milhões para convencer a população de que sua reforma é boa. Mas só aparecerão as ponderações do lado do governo. Como as emissoras de TV não abrem espaço para qualquer coisa que não seja um "amém" à Reforma da Previdência, temos um grande monólogo. Um monólogo coberto com chantagem.

Segue uma lista das chantagens do governo Temer pela Reforma da Previdência. Qualquer semelhança com as do governo Bolsonaro não é coincidência. Até porque a história acontece primeiro como tragédia e se repete como farsa.

1) "Se a Reforma da Previdência não sair: Tchau, Bolsa Família; adeus, FIES; Sem Novas Estradas; Acabam os Programas Sociais", dizia uma ilustração que tinha, no fundo, uma imagem de cidade em ruínas – parte de uma peça de propaganda veiculada pelo MDB, partido do governo, nas redes sociais.

2) "Se não se fizer essa reforma agora, daqui a três anos teremos que fazer, senão daqui a sete paralisamos o país", afirmou Michel Temer durante uma conferência empresarial de São Paulo, segundo a conta de Twitter do Palácio do Planalto.

3) O próprio Temer afirmou que "ou a Previdência Social tem de ser reformulada ou então todos os pensionistas sofrerão".

4) "Já chegou no osso." O então ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, usou essa expressão para dizer que, em sua opinião, não era possível mais alterar a proposta de Reforma da Previdência. Em entrevista à Folha de S.Paulo, também disse que "o governo cumpriu seu papel quando aceitou fazer flexibilizações, agora é hora do Congresso votar".

5) "Eu digo que o Congresso é soberano. No entanto, estamos dialogando e fornecendo cálculos. Não é uma questão de opinião política ou desejo. É uma necessidade matemática, fiscal", afirmou o então ministro da Fazenda Henrique Meirelles.

6) "A gravidade da situação é essa: estamos prestes a não poder pagar a Previdência." A frase foi de Dyogo Oliveira, então ministro do Planejamento. "Não há possibilidade de estabelecer equilíbrio fiscal sem a Reforma da Previdência."

7) Chegou ao limite do então ministro Carlos Marun, responsável pela articulação do governo com o Congresso Nacional, admitir que o Palácio do Planalto estava condicionando a liberação de financiamentos da Caixa Econômica Federal a Estados à pressão de governadores sobre deputados federais para que aprovassem a Reforma da Previdência.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.