Massacre no AM pode continuar nas ruas se governo não agir, diz pesquisador
Desde domingo (26), 55 pessoas foram assassinadas em brigas internas da facção criminosa Família do Norte em quatro das cinco unidades prisionais masculinas de Manaus por grupos rivais.
Quando ocorre uma briga de facções em penitenciárias, há o receio de que essa violência salte os muros e continue nas cidades, principalmente nos bairros mais pobres, onde o crime estabelece seus territórios. E, com isso, morram envolvidos com essas organizações e cidadãos que não têm relação alguma com a história.
"É hora da razão, não da emoção. Não adianta agir para mostrar que há autoridade do poder público, com demonstração de força, mas atuar para uma dissuasão focada, com o uso de inteligência. Desde, claro que o governo tenha feito sua lição de casa e tenha mapeado os locais de conflitos para colocar seu contingente policial de forma estratégica, a fim de evitar uma espiral de violência."
A análise é de Bruno Paes Manso, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, doutor em Ciência Política e autor do livro "A Guerra: a ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil", em parceria com Camila Nunes Dias, que trata da dinâmica do crime organizado. Para ele, não adianta incidir aleatoriamente, desfilando carros da força policial pela cidade. "É o momento de mexer peças em um xadrez a fim de evitar uma escalada."
As mortes começaram em horário de visita no domingo, com pessoas sendo assassinadas na frente da familiares. Primeiro, no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, depois no Centro de Detenção Provisória Masculino 1, na Unidade do Puraquequara e no Instituto Penal Antônio Trindade. Grande parte delas por asfixia ou enforcamento, mas também foram usadas escovas de dentes afiadas até se tornarem facas.
O governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), afirmou que é "praticamente impossível impedir uma situação dessas, porque foram detentos do mesmo pavilhão". A declaração, vista como um atestado de incompetência, preocupa não apenas pelas mortes de pessoas tuteladas pelo Estado, mas também pela capacidade do mesmo Estado em garantir que outros cidadãos não sejam assassinados se ocorrer uma escalada de violência fora dos presídios.
Em janeiro de 2017, 67 pessoas haviam sido mortas em três prisões em Manaus, das quais 59 apenas no Complexo Penitenciário Anísio Jobim. A administração dessa unidade e de outras no Amazonas é feita pela iniciativa privada, pela empresa Umanizzare. Investigação do Ministério Público apontou que a falta de comunicação entre a polícia e a Secretaria de Administração Penitenciária, o acúmulo de processos em poucos juízes e promotores e a regalia dada a alguns presos ajudou a piorar a situação.
Bruno Paes Manso explica que, após rebeliões em janeiro de 2017, nas regiões Norte e Nordeste, criou-se uma grande tensão entre o PCC (Primeiro Comando da Capital) e o Comando Vermelho. Parte da violência acabou saindo para as ruas, em especial, no Rio Grande do Norte, no Acre e no Ceará. O PCC se aliou, no Ceará, aos Guardiões do Estado e, no Acre, ao Bonde dos 13, por exemplo. Havia uma configuração de dois grandes grupos criminosos nacionais com ascendência local. Com isso, 2017 foi o ano mais violento da história recente do Brasil, com quase 64 mil homicídios.
Mas a situação foi se distensionando – não se sabe com base em que diálogos e acordos – e acalmou. Foi-se consolidando uma estabilização e, partir do final de 2017, os números da violência começaram a cair. A explosão interna e o efeito bola de neve não ocorreram. "Como eles estão na prisão, estão mais vulneráveis, podem ser mais facilmente punidos, inclusive com transferências para outras unidades que eles não desejam ir. Daí, qualquer ação tem um custo alto", afirma o pesquisador.
Ao mesmo tempo em que a Família do Norte foi se tornando hegemônica no Estado do Amazonas (o PCC é muito fraco por lá), começou também a enfrentar confrontos internos de lideranças.
"Pelo que é possível ver pelas investigações iniciais, agora, ao contrário do que aconteceu em 2017, os conflitos são mais localizados. Não envolvem o PCC, não envolvem facções em processo de expansão nacional, ocorrem em um contexto mais isolado", explica.
Aqui faz-se importante entender o modelo de negócio do crime organizado. De acordo com o pesquisador, como boa parte de suas lideranças está presa, tornam-se presídios são os centros nervosos dessas facções. Por isso, quando há conflagração nesses locais, há o receio da repercussão do lado de fora.
"Estamos em um momento de pronto socorro. Temos um infarto, um grande massacre, que pode reverberar. E é neste momento que deve se agir com inteligência para identificar conflitos em territórios com a presença de facções criminosas, identificando pessoas que estão ligadas a esses grupos, a fim de impedir que a violência se alastre."
Se o modelo de negócio criminal conta com uma relação entre presídios e territórios, um trabalho de inteligência conseguiria identificar os bairros onde as conexões entre eles são mais fortes, o poder exercido pelos presídios, pessoas ligadas a um ou outro comando e intervir. A depender de cada caso, é possível agir de forma mais estratégica e pontual para impedir que os conflitos ocorram nesses lugares.
Esse tipo de trabalho preventivo, a partir do mapeamento inteligente, é voltado para a redução de violência e de homicídios. A questão é se o Ministério Público e o governo têm esses mapeamentos. É um jogo de xadrez que depende de apuração e informação. "O serviço de inteligência é um dever de casa constante. Quais são os principais conflitos que podem explodir por conta do contato com grupos que estão se matando nos presídios? Quem são os matadores e traficantes que podem agir neste momento de forma violenta? Isso deveria ser a essência do trabalho de segurança pública", explica Bruno Paes Manso.
O pesquisador afirma que dependendo de como o governo local tenha compreensão desse mapeamento, a presença de policiais nesses territórios pode ajudar. Mas movendo-os com inteligência e não despejando pessoas de forma desorganizada, o que pode tornar a vida da população local ainda pior.
"É do jogo mandar um efetivo para desincentivar esses grupos a começarem um mata-mata. Mas desde que isso seja feito de forma correta, com planejamento", conclui.
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