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Leonardo Sakamoto

Bolsonaro, que libera até arma por decreto, insinua que STF quer criar lei

Leonardo Sakamoto

31/05/2019 19h41

O presidente Jair Bolsonaro durante a assinatura do decreto sobre o porte de armas. Foto: Adriano Machado / Reuters

Em um evento de uma igreja evangélica, Jair Bolsonaro questionou se o Supremo Tribunal Federal não estaria "legislando" ao julgar e decidir pela criminalização da homofobia e da transfobia.

O Supremo Tribunal Federal tem mandato para agir caso detecte a omissão de outro poder na proteção a grupos vulneráveis em território nacional. Apesar do julgamento ainda não ter terminado, a maioria do plenário da corte indicou que vai reconhecer que o Congresso Nacional se omitiu ao não tornar essas práticas crimes, no caso, equiparadas ao racismo. E ordenar que, até deputados e senadores aprovarem lei específica, homofobia e transfobia serão punidas como tal.

Os parlamentares chiaram, principalmente os fundamentalistas religiosos. Disseram que o Supremo está extrapolando suas funções. Bolsonaro, com sua declaração, deu apoio a essa posição. E foi rebatido pelo ministro Alexandre de Moraes também nesta sexta.

"Não há nada de legislar. O que há é a aplicação da efetividade da Constituição, [que é] protetiva de uma minoria que no Brasil sofre violência tão somente por sua orientação sexual", disse, em registro de Monica Bergamo, na Folha de S.Paulo. "O Brasil é o quarto país do mundo com maior índice de agressões a pessoas tão somente em virtude de sua orientação sexual. Não é possível continuar com isso."

O que efetivamente mata acusados (de forma sumária) e inocentes (de maneira estúpida), são armas de fogo nas mãos de cidadãos comuns. Quanto mais delas em circulação, maior o risco, uma vez que parte significativa do armamento nas mãos de bandidos e milicianos nasceram legais e caíram na ilegalidade por roubo ou venda.

Mesmo assim, o presidente da República emitiu decretos que facilitam o porte de armas de fogo. Equipamentos que antes eram de uso privativo de agentes de segurança passaram a poder ser adquiridas pelo cidadão comum, como pistolas 9 mm e calibre .40. E o limite para compras de cartuchos de uso permitido passou de 50 para 5 mil anuais. No caso de munição para armas de uso restrito, foi de 50 para 1 mil. As milícias rurais e urbanas agradecem o estoque desse poder de fogo.

Suprema ironia: os atos de Bolsonaro podem ajudar a piorar a vida da população LGBTTQ.

Eles sim são casos escancarados de um poder usurpando a competência de outro. De acordo com Eloísa Machado de Almeida, professora da FGV Direito e coordenadora do centro de pesquisas Supremo em Pauta, os decretos de Bolsonaro que facilitam o acesso a armas são inconstitucionais e estão sendo questionados no Supremo. "O presidente segue facilitando o porte de armas a diversas categorias, extrapolando os limites de seu mandato e legislando no lugar do Congresso Nacional", afirmou ao blog.

Enquanto questiona a criminalização da homofobia e da transfobia pelo STF, o bolsonarismo cria entraves para a redução dessas práticas na sociedade. Qualquer tentativa de trabalhar em sala de aula com a importância de se conviver pacificamente com a diferença tem sido atacada como um forma de ensinar uma "doutrina gayzista" às crianças.

Jair Bolsonaro, entre outros, fez estardalhaço sobre o chamado "kit gay", criando uma péssima reputação para o material do programa "Brasil sem Homofobia". Lançado com o objetivo de combater a violência contra gays, lésbicas, travestis, transexuais, entre outros grupos – mirava na formação de educadores para tratar das questões de gênero e da sexualidade em sala de aula.

Ampliar o leque de punições criminais nunca é a saída ideal em um país em que o Código Penal é sistematicamente utilizado para punir apenas a população mais pobre. Mas, enquanto não nos civilizamos, isso pode salvar vidas.

O presidente precisa repensar seus posicionamentos. Bolsonaro questiona o STF por uma decisão legal e que pode salvar vidas (a criminalização da homofobia diante da omissão do Congresso) e defende um ato ilegal e que pode aumentar número de mortos (facilitar o porte de armas via decreto).

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.