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Leonardo Sakamoto

Se defendesse Terra plana, Levy teria sido celebrado por Bolsonaro

Leonardo Sakamoto

16/06/2019 12h41

Foto: Lula Marques

Bolsonaro tem dificuldade de compreender a complexidade do mundo. Isso não é uma ofensa, mas uma constatação. Por mais que determinados processos sociais, políticos e econômicos não possam ser reduzidos simplesmente a uma luta de mocinhos contra bandidos, ele tenta colocar pessoas e ideia nessas caixinhas.

Dessa forma, ganha empatia de um naco de fãs e eleitores que também não está acostumado à necessidade da pluralidade de conhecimentos para a construção de políticas para o bem comum e vê o debate público como uma luta do bem contra o mal. Isso é muito útil a líderes fundamentalistas, mas péssimo para quem se afirma um democrata.

Quando Joaquim Levy era ministro da Fazenda do governo Dilma Rousseff, fui profundamente crítico às suas propostas e à condução da economia.

Mas não há como não repudiar o ataque descompensado do presidente da República, que o fritou em praça pública como se fosse um garoto desobediente, levando a um lógico pedido de demissão da função de chefe do BNDES.

Pior até, porque Bolsonaro trata como garoto quando quer passar pano para o que um adulto crescido fez. Chamou de "garoto" seu filho Flávio, por conta do escândalo envolvendo seu ex-assessor Fabrício Queiroz, seu filho Eduardo, no caso da declaração infeliz sobre o cabo e o soldado fechando o Supremo Tribunal Federal, ou ainda Neymar, quando prestou solidariedade em meio às denúncias de agressão e estupro.

O presidente tem liberdade para nomear e exonerar quem quiser de cargos de confiança, ele tem mandato para tanto. O problema é como faz isso, neste caso com um comportamento que o aproxima do pior de Donald Trump, Nicolás Maduro, Rodrigo Duterte e Viktor Orbán e apenas alimenta a ultrapolarização em que vivemos.

O resultado é uma parcela inflamada de seus seguidores, pedindo a instalação de um macarthismo tupiniquim.

Se Levy não estava agindo como Bolsonaro ou Paulo Guedes desejavam, o ministro da Economia poderia ter encaminhado sua substituição de outra forma. Talvez o medo da reação do mercado levou a justificar a saída por razões ideológicas. O problema é que o cidadão comum que vê esse circo pensa que o presidente do BNDES estaria montando um enclave petista, começando consigo mesmo e com a indicação, como diretor, de Marcos Pinto Barbosa, que tem longa carreira na iniciativa privada e havia trabalhado no banco durante o governo do PT.

Aliás, chamar Levy de petista, como estão fazendo seguidores de Bolsonaro nas redes sociais, é uma ofensa à inteligência. Não é necessário entender quem ele é e o que pensa ou lembrar que ele trabalhou também no governo Fernando Henrique. Basta lembrar que, em 2015, apanhava cotidianamente de alas do próprio PT e de movimentos sociais de esquerda por conta de suas propostas e posicionamentos. Tanto que a contradição entre discurso de campanha de 2014 (que escolheu bancos como alvos) e a prática no ano seguinte (com alguém alinhado com os bancos para um violento ajuste fiscal) levou o governo Dilma a ser acusado de "estelionato eleitoral".

As pressões de Brasília para afastar a diretora da área de meio ambiente do banco por conta do Fundo Amazônia também ajudaram a azedar as relações, apesar de Levy negar. As demandas por reduzir o banco também.

Bolsonaro vivia repetindo que queria que fosse aberta a "caixa preta" dos financiamentos do banco, sua promessa de campanha. E fez um estardalhaço no início do ano para celebrar a divulgação de grandes tomadores de empréstimo e de financiamentos no exterior – informação que ganhou nova roupagem, mas já estava acessível – tanto que jornalistas fizeram matérias sobre isso em anos anteriores. Funcionários negam a existência da tal "caixa preta". Transparência é bom, e a sociedade civil sempre cobrou isso do BNDES, mas o que o presidente quer não é exatamente transparência, mas que o presidente do banco se desdobre para produzir munição a fim de que ele possa atacar os adversários.

A impressão que fica diante disso, contudo, é que se Joaquim Levy agisse como Ernesto Araújo, Damares Alves, Ricardo Salles e Abraham Weintraub, defendendo o bolsonarismo-raiz nos costumes e comportamentos, se socasse a mesa como Augusto Heleno, dizendo que Lula deveria ficar preso para sempre, ou se alimentasse a paranoia usando o BNDES para atacar os adversários, estaria nas graças do presidente. E Guedes, que deveria ter intermediado a situação para que tudo se resolvesse de forma civilizada, mostrou que abraça os métodos do chefe em troca de poder.

Um governo, seja ele de esquerda ou direita, não pode prescindir de profissionais tecnicamente capacitados. Achar que levaremos um país adiante só com quadros que dizem amém ao líder é o passaporte para o fundo do poço.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.