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Leonardo Sakamoto

Bolsonaro copia Venezuela e defende milícia bolsonariana, diz especialista

Leonardo Sakamoto

17/06/2019 14h52

Foto: Helvio Romero/Estadão Conteúdo

Jair Bolsonaro defendeu armar a população para, junto com as Forças Armadas, evitar governos absolutistas em um evento do Exército em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, neste sábado (15). Entidades da sociedade civil e parlamentares repudiaram a declaração, alertando a gravidade de um presidente sugerir que o povo prefira armas e não leis para defender direitos em uma democracia. E questionando se, com isso, ele deseja formar milícias para defender uma "República Bolsonariana", plagiando a Venezuela.

"Nossa vida tem valor, mas tem algo muito mais valoroso do que a nossa vida, que é a nossa liberdade. Além das Forças Armadas, defendo o armamento individual para o nosso povo, para que tentações não passem na cabeça de governantes para assumir o poder de forma absoluta", discursou o presidente.

"Após três decretos para liberar armas em cinco meses de governo, o presidente finalmente expõe suas razões: armar pessoas para defender seu governo. O nome disso é milícia", afirmou ao blog Ivan Marques, diretor executivo do Instituto Sou da Paz, que atua para reduzir a violência no país.

Ele se refere aos polêmicos decretos publicados pela Presidência da República que facilitaram o porte de armas e ampliaram o leque de armas à disposição dos civis e a quantidade de munição que pode ser comprada por eles. Em nota técnica, Débora Duprat e Marlon Weichert, chefe e adjunto da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão da Procuradoria-Geral da República, afirmaram que os decretos "criam as condições para a venda em larga escala e sem controle de munições e armas, o que certamente facilitará o acesso a elas por organizações criminosas e milícias e o aumento da violência no Brasil".

Bolsonaro afirmou que "temos exemplo na América Latina" de governos que assumiram de forma absoluta e que "não queremos repeti-los". Mas, de acordo com Ivan Marques, é exatamente isso o que ele está fazendo com suas ações e discursos, seguindo os mesmos passos do finado presidente venezuelano Hugo Chávez – que liberou armas aos seus correligionários para defender o seu governo ao lado das Forças Armadas bolivarianas.

"Será o sonho do presidente criar a 'República Bolsonariana'? Às custas de quantas mortes?", questiona o diretor do Sou da Paz.

"É muito grave um presidente da República declarar que as pessoas têm que pegar em armas para garantir sua liberdade e seus direitos ao invés de defender que isso seja feito através de leis", afirmou ao blog o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ). Ele presidiu a CPI do Tráfico de Armas e Munições e a CPI das Milícias, quando deputado estadual na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

"Apesar de parecer inimputável, Bolsonaro não é. Ele foi eleito presidente. Vamos buscar medidas a serem tomadas no Congresso sobre isso", afirmou o deputado. Parlamentares preocupados com a declaração devem se reunir, ainda nesta segunda (17), para discutir o que será feito.

O discurso do presidente assemelha-se às narrativas paranoicas dos fóruns armamentistas norte-americanos e brasileiros, da necessidade de lutar contra líderes tirânicos ou ameaças externas. Mas não há governo tirânico sem o apoio das Forças Armadas. O que, para representantes de entidades da sociedade civil com o qual o blog conversou, apenas parece contradição.

"Bolsonaro disse que as pessoas têm que se armar para proteger o Estado. Mas é ele quem está à frente do Estado", lembra Freixo. Ivan Marques vai na mesma linha: "se Bolsonaro tem as Forças Armadas, para que ele precisa do cidadão armado? Ele quer ambos lutando contra quem?".

Uma resposta plausível é fazer pressão contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal, que têm garantido freios e contrapesos às decisões e ações de seu governo, evitando guinadas que passem por cima da separação dos poderes ou de garantias fundamentais. Por exemplo, o presidente tenta governar por decretos, que estão sendo analisados e revistos por ambas instituições. Vendo que não consegue avançar dentro das regras do jogo, passa a acusar forças ocultas de tentarem derrubá-lo, fortalecendo a identidade reativa diante de um inimigo.

"Você começar a queimar as instituições democráticas e a falar diretamente com a população que o apóia, como aconteceu com Hugo Chavéz e Nicolás Maduro", afirma Bruno Paes Manso, doutor em Ciência Política e pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo. "Esses grupos, consequentemente, vão servir de sustentação de seu governo. Esse é, aliás, o manual dos governantes populistas."

"Parece que um dos grandes objetivos do núcleo duro bolsonarista é convencer a população como as instituições atrapalham a implementação de seu projeto de poder, tentando emparedar essas instituições", afirma o pesquisador. "Ele não quer governar para o país, quer governar para aqueles que concordam com ele. Reestabelecer uma pretensa 'ordem perdida' pela violência. Uma distopia miliciana."

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.