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Leonardo Sakamoto

Moro e Guedes provam que são tão ideológicos quanto ministros bolsonaristas

Leonardo Sakamoto

18/06/2019 04h49

Foto: Ian Cheibub/Folhapress

Quando Paulo Guedes e Sérgio Moro foram nomeados para a equipe de Jair Bolsonaro, muitos atestaram que representavam a cota "técnica" do governo. Não fariam parte nem da patota ideológica do bolsonarismo-raiz, nem da turma da caserna. Pelo contrário, foram apresentados como "superministros", com independência e legitimidade para fazer o que fosse tecnicamente necessário.

Apesar dos alertas de spoiler dados, só agora parte dos "torcedores de ministros" está descobrindo que não há área técnica na Esplanada dos Ministérios de Bolsonaro. São apenas ideológicos e militares – sem contar o pessoal envolvido com laranjais e caixa 2, que correm por fora. O presidente trouxe para o Ministério da Justiça e da Segurança Pública uma pessoa que acredita que estava em uma cruzada e, para tanto, pensava estar acima da Constituição. E para o Ministério da Economia alguém que trata o mercado como Deus e o Estado como o diabo, mas acha que isso não é fundamentalismo e sim racionalidade.

As conversas trazidas a público pelo Intercept Brasil mostram um então juiz federal Sérgio Moro orientando a força tarefa de procuradores da Lava Jato e, consequentemente, reduzindo a ampla defesa por parte do ex-presidente Lula, entre outros condenados na operação. Diante das revelações, ele diz que não vê nada de errado, não indicando constrangimento ou arrependimento. Pelo contrário, parece demonstrar orgulho por quebrar as regras em nome do que considerava um bem maior. Confunde, dessa forma, o papel de juiz com o de vingador, talvez levando a sério demais os bonecos infláveis gigantes em que aparece vestido de super-herói.

Ao mesmo tempo, discursos econômicos neoliberais, como os de Guedes, são craques em se afirmarem neutros quando, na verdade, não são. Em dizerem que é lógico e não ideológico declarar que o trabalhador tem que decidir se quer direitos ou emprego ou que é racional dificultar a aposentadoria de trabalhadores rurais pobres dando como justificativa (novamente) um bem maior – no que pese haver poucas coisas maiores que manter um mínimo de dignidade de gente que se esfolou para produziu comida a vida inteira para a população. Ele quer fazer crer que seu ponto de vista não é influenciado pela presença de dogmas, doutrinas e paixões, mas "pragmático" e, portanto, livre de tudo isso. Esquece que o discurso mais ideológico é aquele que se afirma como meramente técnico.

Vocês podem dizer que ambos não defendem o bolsonarismo-raiz como Abraham Weintraub, Damares Alves, Ernesto Araújo e Ricardo Salles, nem socam a mesa como o general Augusto Heleno. Mas no afã de sobreviver ou na busca por garantir poder, ambos abraçam cada vez mais o bolsonarismo e seus métodos, deixando surgir ou aflorar algo.

Moro aceitou calado quando seu chefe lançou decretos para armar a população, mesmo sendo o responsável pela área. Passou pano para casos de corrupção na esfera do atual governo – dos laranjais do ministro do Turismo, passando pelos problemas de campanha do ministro-chefe da Casa Civil até os enroscos queirozescos do senador e filho mais velho do presidente. Mostrando que é duro com os inimigos e fofo com os amigos. Quando pressentiu perigo diante dos vazamentos dos diálogos, abraçou a cartilha populista de Bolsonaro – já foi visto vestindo camisa do Flamengo ao lado do chefe em estádio e gravando entrevista para o programa do Ratinho. 

Guedes não é tão agressivo quanto Bolsonaro, mas a forma como ajudou a fritar o então presidente do BNDES, Joaquim Levy, a maneira como ataca a Câmara dos Deputados quando as coisas não saem do seu jeito e as chantagens que entrega rotineiramente em nome da Reforma da Previdência mostram que, em algum momento, ele chega lá.

Bolsonaro e a ala ideológica de seus ministros, incluindo Moro e Guedes, deveriam cessar batalhas inúteis e se concentrar naquilo que importa: reduzir os índices de desemprego e de violência. Isso seria uma atitude pragmática, não ideológica. Talvez por isso seja para eles tão assustadora.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.