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Leonardo Sakamoto

Criticadas pelo governo Bolsonaro, ONGs vão monitorar acordo UE-Mercosul

Leonardo Sakamoto

28/06/2019 20h09

Presidente mostra correntinha de nióbio que comprou por R$ 4 mil, no Japão, em live no Facebook

Entre os pontos-chave do acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul, divulgados pela Comissão Europeia, nesta sexta (28), está a participação da sociedade civil em seu processo de monitoramento de questões sociais, ambientais ou de direitos humanos. O que incluem organizações não-governamentais.

"O acordo dá à sociedade civil um papel proeminente em sua implementação, inclusive sobre as disposições sobre comércio e desenvolvimento sustentável. A União Europeia e o Mercosul manterão organizações de empregadores, sindicatos, associações empresariais, grupos de interesse ambiental, entre outros, informados sobre como estão implementando o acordo. Tanto em nível nacional como em um Fórum Conjunto criado para esse fim, esses grupos da sociedade civil poderão expressar seus pontos de vista e fornecer subsídios para discussões sobre como a parte comercial do acordo está sendo implementada", diz documento divulgado nesta sexta (28).

"O acordo inclui um capítulo dedicado ao desenvolvimento sustentável que abordará questões como o manejo sustentável e a conservação de florestas, o respeito aos direitos trabalhistas e a promoção de uma conduta empresarial responsável. Também oferece às organizações da sociedade civil um papel ativo para avaliar a implementação do acordo, incluindo quaisquer preocupações ambientais", também diz a Comissão Europeia.

Isso vai de encontro às posições externadas pelo ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, general Augusto Heleno. Assim que chegou a Osaka, no Japão, para a reunião do G-20, ele rebateu as críticas à política ambiental brasileira. Angela Merkel (Alemanha) e Emmanuel Macron (França) havia criticado o posicionamento do governo Bolsonaro com relação ao desmatamento e às mudanças climáticas.

O general considerou que há organizações da sociedade civil que são agentes a serviço de governos estrangeiros contra o Brasil.

"Eu não tenho nenhuma dúvida. Estratégia de preservar o meio ambiente do Brasil para mais tarde explorarem. Está cheio de ONG por trás deles, ONG sabidamente a serviço de governos estrangeiros. Vocês [jornalistas] têm que ler mais um pouco sobre isso, viu? Vocês estão muito mal informados", segundo registro de Talita Fernandes, da Folha de S.Paulo.
Questionado se o governo pretende controlá-las, o general respondeu que isso é muito difícil. "Agora, que tem de limitar a atuação dessas ONGs, tem."

O "Fórum Conjunto", citado como espaço de debate sobre o cumprimento das condições ambientais, sociais e trabalhistas deve ser da mesma natureza consultiva de determinadas comissões e conselhos extintos pelo governo Bolsonaro no Brasil, segundo dois diplomatas brasileiros com os quais este blog conversou.

Ou seja, as organizações da sociedade civil sul-americanas e europeias vão abastecer com estudos, pesquisas e denúncias o sistema de monitoramento do acordo, rastreando cadeias de valor e verificando se produtos exportados de ambos os lados contam com a exploração do meio ambiente, de populações tradicionais, de trabalhadores, de refugiados. No Mercosul ou na União Europeia.

Através do acordo, a União Europeia e o Mercosul comprometem-se a implementar o Acordo de Paris sobre as Mudanças Climáticas e a combater o desmatamento. E listam um conjunto de compromissos obrigatórios, como a Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Fauna e Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção, a Convenção sobre Diversidade Biológica e medidas de gestão da pesca da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura).

Inclui também a obrigação de implementar efetivamente os princípios fundamentais da Organização Internacional do Trabalho, que incluem liberdade sindical, direito à negociação coletiva, eliminação de todas as formas de trabalho forçado e compulsório, abolição do trabalho infantil e a não-discriminação. O acordo prevê um painel de especialistas e um mecanismo de avaliação independente. Alguns desses pontos, a depender da interpretação, batem de frente com a Reforma Trabalhista aprovada por Michel Temer.

Preocupado em melhorar sua imagem internacional e vender uma agenda positiva no Brasil, Jair Bolsonaro acabou aceitando várias demandas europeias, como o monitoramento pela sociedade civil e proteções ao meio ambiente, aos povos indígenas e aos direitos trabalhistas, medidas de combate ao trabalho escravo e infantil, entre outras. São provisões no acordo que passarão a limitar a sua margem de manobra e de seus ministros quando pensarem em reduzir direitos ou fazerem vista grossa à destruição ambiental a pedido do naco medieval da produção nacional – que causam problemas aos demais empresários de seus setores que seguem a lei.

Isso não é uma crítica. O acordo, de fato, cumpre seu papel de trazer uma agenda positiva, e deverá, uma vez implementado e ratificado, contribuir para melhorar a combalida imagem do governo. Ainda que não o admitam, porém, o fato é que esse acordo, com suas cláusulas garantistas, é uma vitória parcial de uma parte do governo – a agenda liberalizante de Paulo Guedes terá que pensar duas vezes antes de reduzir direitos trabalhistas sob o risco de ser acusada de concorrência desleal e dumping social. Além disso, o acordo foi comprado ao preço de uma derrota do discurso da ala "olavista" do governo, que tem no chanceler Ernesto Araújo um expoente.

Mais um sinal de que, quando esse discurso é ignorado, o governo tende a obter melhores resultados. Quem sabe acorde para o fato de que o melhor seria abandonar essa ideologia de vez e abraçar o pragmatismo.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.