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Leonardo Sakamoto

Diante de violência a indígenas, Bolsonaro aposta em teoria da conspiração

Leonardo Sakamoto

29/07/2019 12h30

Foto: Apu Gomes / AFP

Diante de invasões de garimpeiros a territórios indígenas ocorridas em seu governo, como aquelas contra os Waiãpi, no Amapá, e os Yanomami, em Roraima, Bolsonaro tem reforçado a velha teoria conspiratória de que há um complô internacional para a transformação dessas áreas em países independentes a fim de que suas riquezas possam ser exploradas.

"Esse território que está nas mãos dos índios, mais de 90% nem sabem o que que tem lá e mais cedo ou mais tarde vão se transformar em outros países. Está na cara que isso vai acontecer, a terra é riquíssima. Porque não legalizaram indígena em cima de terra pobre? Não existe. Há um interesse enorme de outros países de ganhar, de ter para si a soberania da Amazônia", disse nesta segunda (29), segundo registro da Folha de S.Paulo.

Antes, uma correção. Há muitas terras indígenas espalhadas pelo país que não são objeto de interesse da mineração. Aliás, há uma fila de territórios assim a serem demarcados, por exemplo no Mato Grosso do Sul, que crianças Guarani e Kaiowá passam fome, que demandariam apenas uma assinatura do presidente.

Contraditoriamente, enquanto denuncia uma suposta trama internacional contra o país, afirma que a ida de seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, para a Embaixada do Brasil em Washington DC, vai ajudar a trazer apoio dos Estados Unidos para a exploração mineral em territórios indígenas brasileiros. Em junho, disse que iria se reunir com o primeiro-ministro japonês para propor de "explorarmos a biodiversidade na região amazônica". Em abril, afirmou que ofereceu "abrir para ele [Donald Trump] explorar a região amazônica em parceria".

Ao mesmo tempo, seus discursos têm fomentado a ação ilegal de garimpeiros nesses territórios, que acreditam que o presidente está a seu lado.

Teorias da conspiração apontam que devolver terras aos indígenas em regiões de fronteira, demarcando e homologando territórios, pode fomentar a independência desses povos do restante do Brasil. Esse argumento tacanho foi usado largamente sobre a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Para membros do atual governo, solução melhor teria sido manter arrozeiros e outros produtores rurais, muitas vezes ocupantes ilegais das áreas e que adotam uma política de terra arrasada no trato ambiental. Porque estes sim seriam confiáveis e estariam lá para desenvolver o país.

Os territórios indígenas – que são responsáveis por altas taxas de conservação ambiental – nunca realizaram um plebiscito ou montaram uma campanha de guerra pela independência do Brasil. Pelo contrário, querem é mais atenção do governo federal, sentirem-se efetivamente brasileiros através da conquista de sua cidadania, o que inclui o direito à sua terra. Coisa que o país nunca garantiu totalmente a eles. E, se depender do atual presidente, vai continuar assim porque prometeu não demarcar mais território algum.

Trago de novo o que escrevi aqui quando ele usou da mesma teoria conspiratória no mês passado. Ao recuperar indiretamente o lema da ditadura do "integrar para não entregar", Bolsonaro não conta – por má fé ou ignorância – que a região já está integrada ao capitalismo global. Ou seja, a Amazônia já foi internacionalizada. E não é de agora. Desde o período militar, ela está conectada aos centros do capitalismo nacional e mundial através de cadeias produtivas que exploram recursos naturais, mão de obra e energia – o que não significou, necessariamente, melhora na qualidade de vida de populações indígenas, camponesas e trabalhadores rurais. Pelo contrário, temos assassinatos de lideranças, deslocamentos forçados para a construção de hidrelétricas, como Belo Monte, trabalho escravo em grandes fazendas.

Para que ter o trabalho de tomar conta daquela bagunça fundiária, se as riquezas já fluem para fora da Amazônia por caminhões, porões de navio ou linhões de transmissão de energia? Empresas que, aliás, durante muito tempo financiaram políticos nacionalistas que são chegados numa teoria da conspiração. Há organizações da sociedade civil picaretas? Claro. Da mesma forma que empresas e governos desqualificados e exploradores. Mas a quem interessa combater, por igual, os problemas nos três setores da sociedade?

O que seria deste governo sem teorias da conspiração? Para começar, teria que crescer e assumir a sua responsabilidade e a de seus aliados pelos impactos causados na região sem jogar a culpa apenas no desconhecido, no oculto e no estrangeiro. E isso é algo que ele não parece disposto a fazer porque mostraria ao mundo quem é de fato.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.