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Leonardo Sakamoto

Bolsonaro deveria bancar o velório dos mortos de sua decisão sobre radares

Leonardo Sakamoto

15/08/2019 09h53

Criança que estava em cadeirinha não se feriu no acidente. Fim da multa pelo não uso do equipamento é outra proposta do presidente. Foto: Reprodução/TV TEM

Jair Bolsonaro ordenou a suspensão do uso de radares móveis em rodovias federais de todo o país. Ele vê a utilização desse equipamento para controle de velocidade nas estradas como uma roubalheira, que enche o bolso de máfias, desvirtua o caráter pedagógico e tem  função meramente arrecadatória.

Levantamentos, estudos e pesquisas mostram, por outro lado, que o uso de radares e a consequente punição em dinheiro e em pontos na carteira de motorista para quem transita acima do limite de velocidade, ajuda a reduzir o número de mortes. Em locais com instalação desses equipamentos, o número de óbitos caiu 21,7% e o de acidentes, 15%, segundo levantamento feito pelo jornal Folha de S.Paulo. Por enquanto, os radares fixos não foram atingidos.

Mas o que são levantamentos, estudos e pesquisas diante de um presidente que não acredita em fatos, apenas em convicções?

Ele já chamou de mentirosos dados parciais de desmatamento da Amazônia do INPE. Já disse que a metodologia do cálculo do desemprego no Brasil, realizada pelo IBGE, está equivocada. E, ao lado dele, há ministros que não acreditam em pesquisas sobre usuários de drogas da Fiocruz, na eficácia de um levantamento amplo do Censo populacional e desconfiam até dos termômetros usados por cientistas para o monitoramento das mudanças climáticas.

Bolsonaro segue alegrando a pequena parcela de brasileiros que quer transformar estradas em pistas de corrida e que, ao que indicam as pesquisas, estão entre seus eleitores e seguidores mais fieis. De acordo com pesquisa Datafolha, de julho deste ano, 67% da população é contra a retirada de radares e 30%, está a favor. Esse último número é semelhante aos que aprovam sua gestão.

O país que vai sobrar da desregulamentação do trânsito, dos agrotóxicos, das armas e munições, do meio ambiente não é o sonho ultraliberal de um lugar em que o Estado não se "intromete" na vida das pessoas. Se fosse assim, o presidente estaria defendendo a ampliação do direito ao aborto ao lado do livre mercado. O que ele quer, na verdade, é uma sociedade à sua imagem e semelhança, parecida com o mundo pós-apocalíptico de Mad Max, como já disse aqui.

Diante da suspensão de uso de radares móveis, a Presidência da República poderia publicar uma edição extra do Diário Oficial da União, abrindo a possibilidade dos velórios das vítimas dessa decisão serem realizados em prédios públicos federais em todo o país, incluindo o salão nobre do Palácio do Planalto, com todos os custos pagos. Já que a política pública do governo vai no sentido de produzir mortos, nada mais justo. Bolsonaro, se tiver dignidade, mandará coroas de flores – pagas de seu próprio salário e não via cartão corporativo, claro.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.