Topo

Leonardo Sakamoto

Dez propostas de líderes da oposição para reduzir a temperatura na Amazônia

Leonardo Sakamoto

29/08/2019 04h00

Fumaça de queimada em uma área da floresta amazônica perto de Porto Velho (RO). Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

Por conta do aumento no desmatamento e no número de focos de incêndio na Amazônia, o Brasil vive duas crises, uma ambiental e outra diplomática. Imagens de queimadas na floresta botaram fogo em jornais e TVs, nas redes sociais e na sociedade civil de todo o mundo. Ameaças de boicote a produtos brasileiros e de saída de investidores acenderam a luz amarela.  Os presidentes brasileiro e francês protagonizaram uma troca pública de farpas que chegou à baixaria. Tornou-se mais fácil saber o que Emmanuel Macron, Donald Trump, Boris Johnson, Angela Merkel, Justin Trudeau disseram, na reunião do G7, sobre o Brasil do que os políticos que fazem oposição a Jair Bolsonaro.

Por isso, o blog conversou com seis das principais lideranças da oposição sobre o que deveria ser feito para garantir que nosso maior patrimônio continue de pé e, ao mesmo tempo, seja usado para o desenvolvimento econômico dos povos da Amazônia – e, de preferência, em harmonia com o mundo.

"Desde a eleição, Bolsonaro ideologizou o debate sobre meio ambiente, incluindo teorias extravagantes sobre o desmatamento, o aquecimento global, territórios indígenas. Isso funciona para 25% do público interno, mas provocou um estrago de imagem no mundo muito difícil de recuperar no curto prazo. A gente vira uma espécie de pária ambiental", afirma Fernando Haddad.  "Vamos tomar uma traulitada sem precedentes, vêm aí violentos boicotes", diz Ciro Gomes. "E nós demos o queixo para bater, com a reação absurda do governo."

Flávio Dino (PC do B), governador do Maranhão, Ciro Gomes (PDT), ex-governador do Ceará, Fernando Haddad (PT), ex-prefeito de São Paulo, Randolfe Rodrigues (Rede), senador pelo Amapá, Alessandro Molon (PSB) e Marcelo Freixo (PSOL), deputados federais pelo Rio, tiveram suas análises agrupadas por temas. Importante ressaltar que nem todos concordam com todos os temas. O que é normal, ainda mais em se tratando de uma diversa oposição.

1) Garantir que o governo monitore e fiscalize a Amazônia e puna os infratores

O governo federal se omite diante de suas responsabilidades na Amazônia, reduzindo o suporte à fiscalização e à autuação dos infratores. Com isso, estaria passando um recado de permissividade a madeireiros, grileiros, garimpeiros e pecuaristas.

"A primeira e mais tosca das providências é garantir que exista governo sobre a Amazônia, porque hoje não há", afirma Ciro Gomes. "Ou você coloca as pessoas na cadeia e multa ou não adianta. Falta governo, faltam dispositivos de comando e controle, que são muito precários."

De acordo com o senador Randolfe Rodrigues, "a governança ambiental foi desmantelada. O Ibama [responsável pela fiscalização, controle, licenciamento, monitoramento] e o ICMBio [que cuida da gestão das Unidades de Conservação, como parques nacionais, e a educação ambiental] foram sucateados e servidores, perseguidos".

Para o deputado federal Marcelo Freixo, "é necessário fortalecer imediatamente equipes de fiscalização do Ibama e do ICMBio, que têm sido fragilizadas inclusive nos discursos do presidente". Além das duas instituições, Alessandro Molon também cita o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e o Serviço Florestal Brasileiro (SFB) como órgãos que devem ser fortalecidos para o combate ao desmatamento ilegal e às queimadas.

2) Interromper a retórica ideológica do governo federal sobre a Amazônia

Os discursos do governo federal, tendo o presidente da República à frente, também estariam passando o recado de que a proteção ao bioma amazônico e seus povos e trabalhadores teriam se flexibilizado com a mudança do grupo político no poder. Isso alcançou não apenas atores diretamente envolvidos com a destruição da floresta, mas também a comunidade internacional e, especialmente, compradores de produtos brasileiros e investidores externos.

"Desde a eleição, Bolsonaro ideologizou o debate sobre meio ambiente, incluindo teorias extravagantes sobre o desmatamento, o aquecimento global, territórios indígenas", afirma Fernando Haddad. "Isso funciona para 25% do público interno, mas provocou um estrago de imagem no mundo muito difícil de recuperar no curto prazo. A gente vira uma espécie de pária ambiental."

"A ideologização de ministérios, principalmente o do Meio Ambiente e o das Relações Exteriores, coloca tudo a perder na economia." O ex-prefeito lembra que as empresas produtoras de couro já estão sentindo os efeitos de restrições comerciais.

"É preciso pressionar. Vamos tomar uma traulitada sem precedentes, vêm aí violentos boicotes", diz Ciro Gomes. "E nós demos o queixo para bater, com a reação absurda do governo."

Guerreiros Xikrin voltam à aldeia após expedição para retirar grileiros de sua terra indígena, no Para, que teve parte da área invadida e desmatada por grileiros. Foto: Lalo de Almeida/Folhapress

3) Não ignorar que risco à soberania é a exploração mineral de territórios indígenas

Desde que começou sua troca de farpas com o presidente francês Emmanuel Macron, Bolsonaro tem adotado o discurso de que suas ações visam a defender a soberania brasileira diante dos interesses estrangeiros sobre a Amazônia. Parte dos entrevistados lembrou, contudo, que o próprio governo busca trazer mineradoras estrangeiras para explorar a região numa afronta à soberania.

"Na reunião com os governadores [da Amazônia], o presidente priorizou o ataque ao que ele considera obstáculos ao desenvolvimento da Amazônia: indígenas, quilombolas, Unidades de Conservação. Senti como se visse um Cavalo de Tróia: sob o manto da proteção da soberania nacional, havia uma agenda de terrorismo anti-ambiental", analisa o governador Flávio Dino. "É pressuposto que a soberania nacional é intocável, mas ela não está em debate."

De acordo com ele, a ênfase que o presidente tem dado à defesa da soberania esconde "grandes interesses transnacionais", como os da mineração. Segundo Dino, Bolsonaro, na verdade, "reforça a submissão da soberania à lógica de mercado."

Em julho, o presidente afirmou que quer seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro, na embaixada brasileira nos Estados Unidos para conseguir parcerias a fim de explorar minerais em territórios indígenas. Trouxe, com isso, simpatia de parte dos senadores que tem a missão de avaliar seu filho para o cargo. Referindo-se ao caso, Randolfe Rodrigues vai na mesma linha de Flávio Dino e critica o uso da soberania como justificativa.

"Os que defendem mineração em terras indígenas não estão defendendo valor para as comunidades locais, mas para empresas multinacionais. Eles querem ganhar uma boquinha com isso", afirma. "Mineração na Amazônia é esquema para meia dúzia enriquecer, mineradoras estrangeiras e políticos corruptos. Mas quando é para mineradora norte-americana vir aqui, ninguém fala de soberania. Quem quer mineração em território indígena na Amazônia é político corrupto. É hipócrita e lunático o discurso de soberania de ocasião."

4) Combater os incêndios em curso 

"O governo demorou para reconhecer a crise, tentou negá-la no início. Após a proliferação de notícias, tomou uma atitude correta que foi o emprego conjunto das Forças Armadas. No Maranhão, já estão com bombeiros e PMs desde sábado", explica o Flávio Dino.

"No Maranhão, temos um projeto de R$ 33 milhões de prevenção e combate ao incêndio parado no Fundo Amazônia. Precisamos alavancar recursos para ações estratégicas preventivas que criem condições melhores para isso e para o desenvolvimento sustentável. Fundos para serem usados também para monitoramento, fiscalização, compra de equipamentos, regularização fundiária", afirma o governador.

"Estamos propondo uma abertura de crédito de R$ 2,5 bilhões para o combate a incêndios em caráter emergencial, além de anular de forma imediata os cortes de verbas do governo nessa rubrica, porque há a possibilidade de dano irreversível para a Amazônia", afirma Marcelo Freixo, citando estudos que apontam que se 25% da floresta for removida, o processo de savanização da região não poderá ser detido. "E estamos com quase 20%."

5) Aprovar propostas legislativas no curto prazo e instalar a CPI da Amazônia

O líder da oposição, Alessandro Molon, defendeu ao blog um pacote de propostas que foi entregue ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, nesta quarta (27), pelo Fórum de Defesa da Amazônia. Nele, está o restabelecimento do Fundo Amazônia e do Fundo Clima, do programa de conversão de multas do Ibama em recuperação ambiental e a continuidade dos planos de prevenção e controle do desmatamento na Amazônia.

Também propõe a retirada de pauta de projetos que enfraquecem o Código Florestal e o licenciamento ambiental, além das propostas que ajudam a liberar agrotóxicos e que facilitam o acesso de terras indígenas ao agronegócio. E lembra que está finalizando a coleta de assinaturas na Câmara para a instalação da CPI da Amazônia, para investigar o aumento do desmatamento e das queimadas e a demora na reação do governo. Comissão similar está sendo instalada no Senado Federal.

"A crise na Amazônia sensibilizou para a necessidade de encontrarmos uma forma de garantir um desenvolvimento sustentável e que gere empregos enquanto preserva o bioma, em oposição à proposta do governo, que trará mais destruição e perda de riquezas", afirma Molon. "O cuidado com a Amazônia não é um tema da oposição, mas de toda a sociedade brasileira, que entende a importância da preservação do meio ambiente para garantir qualidade de vida hoje e no futuro."

Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

6) Desenvolver seguindo a vocação e as restrições de cada território

Ciro Gomes defende um esforço do governo para garantir que o desenvolvimento seja efetivamente guiado pelo Zoneamento Ecológico-Econômico, que estabelece quais usos e atividades podem ser implementadas em cada território – de acordo com suas vocações, potencialidades e restrições.

"Precisamos oferecer ao Brasil e ao mundo uma forma de administrar o acervo amazônico. Para isso, é preciso criar um fenômeno econômico atraente", afirma. "Salvo exceções, muitos só sabem tirar madeira, queimar a selva ou passar o correntão. Daí criam gado, a terra cansa, fica improdutiva e seguem abrindo novas fronteiras."

Ele lembra que a floresta vale muito mais em pé sob o ponto de vista econômico do que derrubada. "A biodiversidade entrega novas possibilidades, novas químicas, novos remédios, novos cosméticos, novos manejos florestais. Desde que você defina a atividade que deva ser feita em cada território e imponha regulação, garantindo direitos a territórios indígenas e proteções a Unidades de Conservação." Afirma que a região Norte conta com centros de pesquisas capacitados para isso, como as universidades, o Museu Emílio Goeldi, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA).

7) Garantir que as comunidades tradicionais participem das decisões sobre obras

Grandes obras de engenharia na Amazônia – das longas estradas da ditadura à usina de Belo Monte nos governos petistas – foram acusadas de desconsiderar a opinião das populações tradicionais que foram diretamente afetadas por elas. E, posteriormente, de trazer impactos irreversíveis.

Marcelo Freixo afirma que não há possibilidade de um projeto dar certo se excluir a participação das comunidades tradicionais afetadas, como indígenas, quilombolas, ribeirinhos, em seus processos de planejamento e execução. E que é necessário que o Estado garanta que sejam ouvidos e tenham suas recomendações levadas em conta. A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que o Brasil ratificou, trata do direito à consulta prévia e livre.

Os indígenas Waimiri-Atroari, entre Roraima e o Amazonas reclamaram que não têm sido devidamente ouvidos sobre a construção de uma linha de transmissão de energia sobre seu território. Ironicamente, é a mesma etnia vítima de um violência durante a ditadura durante as obras para a abertura da rodovia BR-174, ligando Manaus a Boa Vista e à Venezuela. O relatório da Comissão Nacional da Verdade afirma, com base em dados oficiais, que houve uma redução de 3 mil indígenas, nos anos 70, para 332 indígenas nos 80.

8) Cobrar imposto territorial progressivo e regularizar a bagunça fundiária

"Assim como existe um IPTU progressivo com o tempo na cidade, um ITR [Imposto Territorial Rural] progressivo no campo deveria ser realidade corrente. Se a função social da terra desmatada fosse cumprida, o ITR subiria enquanto a área desmatada não fosse convertida em área produtiva ou reflorestada. Isso ajudaria a anular a propensão a desmatar área novas", afirma Fernando Haddad.

A questão do descumprimento da função social da propriedade causou muito ranger de dentes na capital paulista quando buscou-se a desapropriação de imóveis vazios e que contavam com dívidas milionários de impostos com o município para serem destinados à habitação popular.

Conectado a isso, está o maior problema amazônico: o caos fundiário. Os entrevistados lembraram da profusão de fazendas sem cadastro rural, que dificulta a responsabilização por danos ambientais ou mesmo a verificação de sua conformidade legal. E da grilagem – um negócio bilionário que transforma terras públicas em pastos e lavouras. Determinados municípios contam com tantos títulos falsos de propriedade que, somadas as áreas de todos registros de imóveis rurais, ultrapassam – e muito – as áreas dos próprios municípios.

Foto: Carl de Souza/AFP

9) Buscar o equilíbrio entre o crescimento econômico e a preservação

Setores da esquerda e da direita são acusados de abraçar modelos de desenvolvimento mirando ao crescimento econômico sem se preocupar com os danos colaterais ao meio ambiente e às populações a ele vinculadas. A busca pelo equilíbrio da sustentabilidade é o desafio.

"Você não pode inviabilizar atividades econômicas em áreas onde não há restrição, mas não pode também fazer de qualquer jeito", diz Flávio Dino. "Não é possível ignorar a população amazônica, tratando-a com uma perspectiva puramente conservacionista e dogmática. Porém, não se pode fazer isso sem regras por conta da singularidade do território." Para ele, a questão não é ser contra o desenvolvimento e a favor do "atraso", mas quais modelos de desenvolvimento seguir. "Na legislação vigente, há várias formas de gerar renda mantendo a floresta em pé, cobrando por serviços ambientais, por exemplo [benefícios que a população obtém do meio ambiente, como o fato de que a chuva que torna a agricultura de São Paulo viável depende da floresta amazônica]."

"No Amapá, há a Zona Franca Verde, para permitir o beneficiamento de produtos locais, como açaí, cupuaçu, produtos da floresta", afirma Randolfe Rodrigues. "Se Estado contasse com um porto melhor estruturado poderia escoar a produção da Amazônia, devido à sua excelente localização geográfica." Para ele, recursos como esses podem ser melhor aproveitados do que a mineração, que – segundo ele – devasta a floresta no curto prazo, cria problemas climáticos e não agrega valor.

"O Brasil precisa de um projeto nacional de desenvolvimento", avalia Ciro Gomes. "Por exemplo, Manaus tem 8% da produção industrial do Brasil, mas é maquilagem [importa os componentes de produção sem custo], não agrega valor. Dá para aumentar a produção local, substituindo os componentes externos. Isso reduziria a pressão sobre a floresta porque geraria empregos."

10) Trocar o ministro do Meio Ambiente

Ciro Gomes sugere que Bolsonaro deveria fazer um gesto presidencial mostrando que está querendo mudar de rumo e de conduta. Sua sugestão: demitir o ministro do Meio Ambiente. "Isso não resolve tudo, mas é simbólico." Para Randolfe Rodrigues, "o governo tinha que demitir esse cidadão [Ricardo Salles] que não tem condição de ser ministro do Meio Ambiente e compreender que a fiscalização é mecanismo eficaz para coibir os crimes".

 

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.