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Leonardo Sakamoto

Negros foram mais de 75% das vítimas de letalidade policial em 2017 e 2018

Leonardo Sakamoto

10/09/2019 12h41

Familiar diante do carro em que Evaldo Rosa foi fuzilado por militares que faziam policiamento, no Rio, em abril deste ano. Foto: Fábio Teixeira/AP

Do total dos mortos em decorrência de intervenção policial, entre 2017 e 2018, 75,4% eram pessoas negras. Contudo, esse grupo (que reúne as categorias de pretos e pardos, utilizadas pelo IBGE) representa 55% da população. O dado está presente no Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública 2019, divulgado nesta terça (10).

Enquanto isso, brancos representam 44,2%, mas foram 24,4% das vítimas da letalidade policial.

Em 2018, 57.341 pessoas foram mortas de forma violenta e intencional, o que representa uma queda de 10,4% em relação aos 64.021 de 2017. Não há uma explicação consolidada para a redução, mas uma das razões apontadas é o arrefecimento das disputas entre facções criminosas em determinadas regiões, fazendo com o que número retornasse aos (já altos) padrões de 2014. Na contramão dessa redução, os óbitos em decorrência de intervenção policial cresceram 19,6% de 2017 para 2018, atingindo a 6.220.

Considerando apenas esse tipo de morte, 99,3% eram homens e 77,9%, jovens de 15 a 29 anos, entre 2017 e 2018. Ou seja, a polícia segue matando mais negros, homens, jovens.

No Rio de Janeiro, de acordo com estudo citado pelo anuário, negros contam com 23,5% mais chances de serem mortos do que o restante da população – número que salta para 147% se for considerada apenas a idade de 21 anos, quando há o pico da probabilidade. Já o Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência e Desigualdade Racial, do próprio Fórum Brasileiro de Segurança Pública, aponta que a chance de um jovem negro ser vítima de homicídio no Brasil é 2,5 vezes superior à de um jovem branco.

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Em 2018, de cada 100 mortes violentas, 11 foram causadas pela polícia. No Rio de Janeiro, a proporção foi de 23/100 e, em São Paulo, 20/100, sendo os Estados com maiores índices. Enquanto isso, no Distrito Federal e na Paraíba os números foram de 1/100 e 2/100, respectivamente. Entre as capitais, São Paulo representou queda de 447 (2017) para 406 (2018), no número de mortes decorrentes de intervenção policial. Ainda assim apresentou 33,1/100, a taxa mais alta entre as capitais analisadas.

"Para continuar reduzindo, é importante focar nos controles da atividade policial, reforçando os mecanismos que já existem", afirmou David Marques, coordenador de projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ao blog. "Estamos acompanhando tentativas de enfraquecer as ouvidorias de polícias de São Paulo, inclusive neste ano." Ele também ressalta a importância do trabalho de apuração de desvios de conduta ser feito pela Corregedoria e não pelos próprios batalhões onde estão os policiais militares. E lembra a centralidade do Ministério Público nesse processo, desde que atue de forma proativa.

De acordo com o Atlas da Violência 2018, divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, sobre dados do Ministério da Saúde, de 2006 a 2016, 324.967 jovens entre 15 e 29 anos morreram de forma violenta. Muitas dessas mortes ocorreram na forma de pacotes, em chacinas, nas periferias das grandes cidades brasileiras, seja pelas mãos do tráfico, de milícias ou de integrantes da própria polícia. Não raro, permanecem sem solução.

Parte da população ficou chocada com o vídeo de um jovem negro e pobre, de 17 anos, sendo chicoteado em um quartinho do supermercado Ricoy, na periferia de São Paulo, por ter tentado furtar chocolates, que circulou recentemente nas redes sociais.

Os dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que milhares de jovens negros são mortos por forças de segurança todos os anos. Surpreendentemente, a morte em grande escala de negros jovens choca menos que a sua tortura.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.