O governador do Rio critica quem, como ele, transforma caixão em palanque
"É indecente usar um caixão como palanque."
Após três dias em silêncio, o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, manifestou-se sobre o tiro de fuzil que atingiu, pelas costas, Ágatha Félix, uma menina negra de oito anos, enquanto voltava para casa, com a mãe, em uma lotação.
Em entrevista coletiva, lamentou o ocorrido, culpou pela morte quem fuma maconha, disse que os números da criminalidade estão caindo e atingindo "patamares civilizatórios", que vai continuar sua política de segurança pública. E, criticando a oposição, que o responsabilizou pelo ocorrido, disse a frase que abre este texto.
Witzel criticou a possibilidade do caso ser usado como justificativa para alterar o pacote anticrime do ministro da Justiça, Sérgio Moro, no Congresso Nacional. Parlamentares, inclusive o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), discutem a retirada do excludente de ilicitude em caso de "escusável medo, surpresa ou violenta emoção". Ou, ao menos, deixar claro que a possibilidade de abrandamento da punição não vale para policiais.
Em nome da sanidade mental de nossos tempos confusos, este blog separou duas ocasiões em que o Wilson Witzel reforçou o "faça o que eu digo, não faça o que eu faço".
No dia 30 de setembro de 2018, em uma ato de campanha eleitoral, em Petrópolis (RJ), o então candidato Wilson Witzel aparece ao lado de Daniel Silveira, depois eleito deputado federal, e Rodrigo Amorim, eleito o deputado estadual mais votado do Estado, ambos do PSL, em um carro de som.
Amorim discursou: "Marielle foi assassinada. Mais de 60 mil brasileiros morrem todos os anos. Eu vou dar uma notícia para vocês. Esses vagabundos, eles foram na Cinelândia, e à revelia de todo mundo, eles pegaram a placa da Praça Marechal Floriano, no Rio de Janeiro, e botaram uma placa escrito rua Marielle Franco. Eu, eu, eu e Daniel essa semana fomos lá e quebramos a placa! Jair Bolsonaro, Jair Bolsonaro sofreu um atentado contra a democracia e esses canalhas calaram a boca. Por isso que a gente vai varrer esses vagabundos! Acabou PSOL, acabou PCdoB, acabou essa porra aqui. Agora é Bolsonaro, porra!"
Witzel então diz, sorrindo: "É isso aí pessoal, é a resposta" (vídeo em 2'25")
Questionado posteriormente, Witzel disse foi surpreendido com a declaração, que não estava envolvido com a quebra da placa e qualquer pessoa que dissesse o contrário seria processado por ele.
No dia 20 de agosto de 2019, o sequestrador de um ônibus na ponte Rio-Niterói foi morto por um atirador de elite do Batalhão de Operações Especiais (Bope) e os 37 reféns liberados sem ferimentos. Segundo a Polícia Militar, ele portava uma arma de brinquedo e ameaçava incendiar o veículo com gasolina. Logo após o desfecho da operação, o governador Wilson Witzel chegou de helicóptero na ponte e capitalizou a tragédia para si. Até deu pulinhos e festejou de braços abertos, como se fosse uma final de campeonato de futebol. Diz que estava celebrando o fato de nenhum refém ter morrido. Ignorou a situação traumática pela qual as pessoas haviam passado e que, infelizmente, houve um óbito.
Witzel tem sido um dos defensores do uso de snipers em comunidades pobres com o objetivo de abater suspeitos de forma preventiva. Considerando que, não raro, a polícia acerta indiscriminadamente bandidos e inocentes, adultos e crianças, homens e mulheres, todos quase sempre negros, a adoção dessa política traria apenas mais mortes sem reduzir necessariamente a criminalidade. O caso da ponte foi usado como combustível para esse discurso e o governador fez de tudo para que esse não parecesse um caso isolado do restante que acontece no Rio.
Ao celebrar o caso, o governador passou, mais uma vez, a mensagem de que tal ato não deveria ser uma exceção, mas algo a ser repetido. Ignora que a melhor forma de celebrar a polícia seria aumentar salários, dar melhores condições de trabalho, mais treinamento e formação especializados e bons equipamentos aos agentes – que são obrigados a morrer em nome de uma sociedade que nem sempre reconhece os serviços de uma maioria de servidores honestos.
"Nós vamos tratar o governador como inimputável com fortes doses de psicopatia ou vamos tratar como oportunista e irresponsável? Essa é a escolha que temos que fazer, que são formas diferentes de encarar o que ele vem fazendo. Seu governo não tem uma política de saneamento, educação, saúde", afirmou ao blog o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ).
"E ele usa a violência contra as favelas como plataforma de propaganda política para se viabilizar como candidato à Presidência da República, quando mal acabou de assumir o Estado do Rio de Janeiro. Não é um caso de psicopatia, mas de irresponsabilidade", disse Freixo.
Witzel diz que não haverá mudanças. "Política de segurança é exitosa, a população tem sentido o aumento da sensação de segurança nas ruas. Narcoterroristas atuam nas comunidades e as usam como escudo. Escolhi os melhores quadros para a polícia, e eles definem como atuar. Cabe a mim ouvir a população e cobrar resultados. Continuaremos assim".
Ou seja, a menos que o governador seja instado a alterar o curso de sua política de aumento da letalidade policial pelo Poder Judiciário, pelo Poder Legislativo, por organismo internacionais ou pelos cidadãos, ela deve continuar matando inocentes. Pelo menos, até o período eleitoral de 2022.
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