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Leonardo Sakamoto

Dados de desemprego mostram que Reforma Trabalhista foi propaganda enganosa

Leonardo Sakamoto

25/09/2019 17h50

Desempregados formam fila quilométrica para concorrer a uma vaga em mutirão do emprego, em São Paulo Foto: Edilson Dantas – Agência O Globo

Por Vitor Araújo Filgueiras, especial para o blog*

Os resultados prometidos em termos de geração de empregos não foram alcançados pela Reforma Trabalhista proposta pelo governo Michel Temer e aprovada pelo Congresso Nacional, em 2017, apesar das garantias de milhões de postos de trabalho e de uma onda de formalização. Após a reforma, os custos trabalhistas têm caído, sejam medidos pelos salários dos trabalhadores e pelos valores gastos em contratações e dispensas, ou pelas despesas com processos judiciais. Não houve, contudo, ampliação significativa do emprego, mas sim piora na qualidade de vida da massa dos trabalhadores.

Não bastasse isso, a participação da informalidade no mercado de trabalho tem crescido após a reforma, com evidências de trocas de empregados formais (motoristas de carro, por exemplo) por trabalhadores "autônomos" ou empregados sem carteira. Enquanto isso, caem salários dos empregados formais e as jornadas de trabalho têm experimentado grande polarização, com o crescimento do número de pessoas que trabalha muito pouco ou trabalha em excesso.

Apesar da tendência de leve queda da taxa de desemprego aberto (taxa de desocupação), hoje em 11,8% (quando a Reforma Trabalhista entrou em vigor era 12,2%), a taxa de desemprego total (que inclui pessoas que gostariam de trabalhar, mas não puderam ou desistiram de procurar emprego, ou que trabalharam menos do que gostariam) tem crescido, ficando em 24,6% no trimestre encerrado em julho, de acordo com o IBGE. Era 23,8% quando a reforma entrou em vigor.

O emprego formal, além de cair em termos relativos, tem experimentado crescimento absoluto muito pequeno, e mesmo esse reduzido saldo parece muito relacionado a medidas opostas à reforma. A atividade isolada com maior número de contratações desde novembro de 2017 é o transporte rodoviário de carga (10% do total). Ocorre que esse crescimento está associado ao tabelamento do frete dos motoristas "autônomos", que impôs na prática uma espécie de salário mínimo e estimulou a troca dos "autônomos" (queda de mais de 50 mil após a reforma) pela contratação desses profissionais como empregados formais. Ou seja, o aumento da proteção ao trabalho estimulou a formalização.

Já o setor com maior saldo após a reforma é a seção saúde e serviços sociais (30% do total), cujas contratações estão fortemente relacionadas à demanda do poder público, especialmente por meio de concursos públicos, muitos decorrentes da atuação direta das instituições públicas para eliminar fraudes, como o uso de PJs. Ou seja, também aqui a formalização se associa ao aumento da proteção ao trabalho. Em ambos os casos, a formalização parece acontecer apesar da reforma, e não por sua causa.

O segundo setor com mais contratações após a reforma, a seção de atividades administrativas e serviços complementares (25% do total), é tipicamente associado à terceirização de atividades-meio de empresas, contemplando funções como faxineiro, auxiliar de escritório, porteiro, recepcionista. Essa forma de contratação já era legalizada antes da Reforma Trabalhista. Portanto, de saída, parece que a ampla maioria do saldo dos postos formais surgidos a partir de novembro de 2017 não teve relação ou foi criado a despeito da reforma.

A Reforma Trabalhista ajuda a manter e parece incentivar um processo prévio de piora no mercado de trabalho. Além da aplicação das novas regras menos protetivas, a lei promoveu uma queda brutal de processos e o enfraquecimento dos sindicatos. A diminuição dos reajustes nas negociações e do próprio número de acordos coletivos corrobora a piora salarial (cujo nível está abaixo de 2014) e das condições de trabalho. Enquanto isso, a ilegalidade aumenta sem que trabalhadores consigam acessar direitos, retroalimentando práticas ilícitas dos empregadores.

Os defensores da reforma argumentam que ela não alcançou seus principais objetivos declarados por conta da crise econômica e ou porque ainda está em vigor há pouco tempo. Contudo, ela foi adotada justamente para resolver a crise. Em outras palavras, não faz sentido dizer que o remédio (a reforma) é ineficiente porque foi vítima da doença (a crise) que deveria curar.

Quanto ao tempo em vigor, para os efeitos que poderia produzir, ela foi rapidamente efetiva, como no caso da queda do número de processos judiciais. Ademais, o fato de o emprego estar no fundo do poço era um grande facilitador para uma rápida recuperação, como ocorreu em outros momentos de crise no Brasil. O que o argumento da "falta de tempo" busca é impossibilitar o contraditório, pois se passaram quase dois anos desde a entrada em vigor da reforma, mas mesmo que fossem dez, poder-se-ia continuar afirmando que ainda não seria tempo suficiente.

Neste ano, foram anunciadas ou já estão em implementação grandes mudanças nas normas trabalhistas no Brasil, como as alterações nas normas regulamentadoras de saúde e segurança e a chamada lei da "Liberdade Econômica". Apesar de serem acompanhadas de alusões à "modernização" e à "desburocratização", essas iniciativas têm sempre como justificativa fundamental a criação de empregos, pois é esse argumento que busca bloquear qualquer crítica. Afinal, você pode questionar o "moderno" ou defender a "burocracia", mas dizer que é contra medidas que criam postos de trabalho é bem difícil.

Em sendo assim, se nos julgamos racionais para defender nossas posições sobre políticas públicas, para começo de conversa temos que enfrentar a seguinte questão: esse tipo de medida cria empregos? Temos plenas condições de enfrentar essa pergunta, dentre outras razões, pelo fato de que a Reforma Trabalhista, lei de natureza idêntica às atuais mudanças, inclusive muito mais abrangente e profunda, está em vigor desde novembro de 2017.

A Reforma Trabalhista é como um buraco sem fundo. Para seus defensores, as mudanças nunca são suficientes, e cavar uma nova reforma é sempre necessário. Na verdade, nos parece que ela não pode cumprir o que promete, nem é este o seu objetivo de fato. Como ainda há espaço para destruir de normas de proteção ao trabalho, e é isso o que efetivamente se pretende, novas mudanças continuam em pauta. O atual governo criou, por exemplo, um grupo de estudos para dar início a uma nova Reforma Trabalhista. Dará sempre para alegar que as mudanças não foram suficientes ou que não deu tempo para funcionarem.

Se há qualquer expectativa ou pretensão de avanço civilizatório na sociedade em que vivemos, é necessária alguma espécie de compromisso crítico de ideias entre os diferentes segmentos sociais, que permita um diálogo contraditório, mas construtivo. Para isso, é preciso que o debate sobre regulação do trabalho utilize mais evidências do mundo real e menos especulações.

(*) Vitor Araújo Filgueiras é professor de Economia da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e um dos coordenadores da Rede de Estudos e Monitoramento Interdisciplinas da Reforma Trabalhista (Remir).

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.