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Leonardo Sakamoto

Bolsonaro infla conspiração sobre óleo diante de resposta murcha do governo

Leonardo Sakamoto

19/10/2019 09h06

Foto: Reuters/Alisson Frazão

Um crime ambiental sem precedentes untou de óleo praias, rios, mangues e barreiras de corais do Nordeste. Mas ao invés de sobrevoar o local, prestar solidariedade pessoalmente às comunidades atingidas e executar um plano efetivo de contenção de impactos e remediação de danos, Jair Bolsonaro apenas repete que tem certeza que o vazamento foi criminoso. Pior: infla teorias conspiratórias (como a de que isso poderia ser um ato para atrapalhar leilão do Pré-sal), sem apresentar provas.

O petróleo pode ter sido deliberadamente jogado ao mar, bem como ter sido um vazamento não-intencional. Em ambos os casos, estamos diante de um crime, com um responsável. As investigações – em curso por pesquisadores e pela Marinha – precisam apontar quem é (para a sua punição legal, o que inclui o pagamento pelos prejuízos), quanto onde ocorreu (a fim de ajudar a fechar a torneira). Essa é a parte óbvia da história. Mas, enquanto isso, há um rosário de ações pessoais que um presidente preparado para o cargo que ocupa poderia estar tomando ao invés de fazer conjecturas. Deixa as ações para sua equipe e se envolve apenas para dizer que a culpa é de terceiros.

Nesta sexta (18), em uma live pelas redes sociais, Bolsonaro afirmou: "Coincidência ou não, nós temos um leilão da cessão onerosa [de petróleo excedente de uma área do Pré-sal]. Eu me pergunto, a gente tem que ter muita responsabilidade no que fala: poderia ser uma ação criminosa para prejudicar esse leilão? É uma pergunta que está no ar". Apesar de afirmar que é necessário ter responsabilidade no que fala, a própria formulação da pergunta já é irresponsável.

No dia 10 de outubro, ele já havia dito a investidores: "O último problema que tivemos: derramamento criminoso, com toda certeza, quase certeza que seja criminoso, na região costeira do Nordeste".

No dia 8 de outubro, afirmou: "É um volume que não está sendo constante. Se fosse de um navio afundado estaria saindo ainda óleo. Parece que o mais fácil, o que parece, é que criminosamente algo foi despejado lá".

E aproveitando o momento para ser ainda mais beligerante, chegou a questionar o suposto "silêncio" das organizações não-governamentais diante da catástrofe. Se ele tivesse visitado as praias, veria que a sociedade civil vem fazendo mais do que ele nos esforços de combate à tragédia.

Não só não ajuda, como joga contra. Reportagem de Phillippe Watanabe e Nicola Pamplona, na Folha de S.Paulo, deste sábado (19), aponta que o governo federal extingiu, em abril, dois comitês que integravam o Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Água (PNC), instituído em 2013. Isso pode ajudar a explicar a demora e a desorganização no combate ao óleo.

Ao mesmo tempo, reportagem de Juliana Gragnani, da BBC Brasil, mostra que o governo não acionou o PNC, apesar de dizer que acionou, mesmo tendo se passado mais de 50 dias após a primeira vez que as manchas de petróleo foram avistadas. O plano, de 2013, estabelece a estrutura técnica e financeira de resposta do poder público ao acidente, atribuindo responsabilidades.

Na última quinta (17), o Ministério Público Federal entrou com uma ação contra o governo federal por omissão diante do caso.

Tempo pessoal para se envolver verdadeiramente no caso, Bolsonaro não teve até agora. Mas para brigar com o seu partido político, buscando formas de levar seus parlamentares apoiadores (junto com os milhões em cotas de fundos partidário e eleitoral que eles representam) para uma nova agremiação, ele parece ter de sobra.

Tanto que as gravações que circulam não são de Bolsonaro conversando com governadores do Nordeste para uma solução integrada visando estancar a sangria de óleo, salvar a pesca e populações tradicionais, proteger o turismo, reduzir impactos ao meio ambiente, mas dele tentando articular a derrubada do Delegado Waldir e colocar seu filho, Eduardo Bolsonaro, como líder do PSL na Câmara dos Deputados.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.