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Leonardo Sakamoto

"É inútil isentar turista de visto com fogo na Amazônia e óleo no Nordeste"

Leonardo Sakamoto

25/10/2019 10h40

Manchas de óleo na praia de Maragogi (AL). Foto: Carlos Ezequiel Vannoni/Agência Pixel Press/Estadão Conteúdo

Jair Bolsonaro declarou, em visita à China, que vai isentar da necessidade de visto a cidadãos daquele país que venham ao Brasil a turismo ou negócios. Também citou o arquipélago de Cabo Verde, como exemplo de que o turismo pode ser incrementado por aqui. "Queremos chegar a, pelo menos, 10% do PIB. Hoje, acho que é de apenas 6%", afirmou o presidente.

"Não faz sentido captar turistas se, além de não promover a melhoria dos atrativos e destinos, atenta-se contra alguns dos principais recursos naturais que temos: aumento de queimadas na Amazônia, rompimento de barragens da Vale, pouca ação sobre vazamento de óleo no Nordeste." A avaliação é de Brenno Vitorino Costa, pesquisador e doutorando em Turismo na Universidade de Aveiro, em Portugal, e professor do Curso de Tecnologia em Gestão de Turismo do Instituto Federal de São Paulo.

Para ele, a questão não é eliminar a exigência de vistos, mas ter uma política de turismo baseada somente na captação de pessoas que podem gastar dinheiro em nosso país. "Ações que seriam fundamentais, como a melhoria do produto turístico, praticamente inexistem ou são irrelevantes. Capacitação de mão de obra, por exemplo, algo no qual somos falhos, é muito restrita."

Ele cita dados do WTTC (o Conselho Mundial de Viagens e Turismo), mostrando que o turismo contribuiu diretamente para 2,9% do PIB brasileiro, em 2017. Considerando a contribuição direta (dada pelas empresas relacionadas ao turismo, como hotéis e resorts, agências e operadoras de viagens) somada à indireta (setores que não atendem exclusivamente turistas), são 7,9%. "Obviamente, o governo brasileiro vem dando grande destaque ao segundo número. Mas o que interessa é o primeiro."

"Turismo só tem uma participação direta de mais de 15% no PIB em países insulares – como República Dominicana e Maldivas – ou com um vasto território coberto por áreas protegidas ou áreas florestais relativamente intocadas, como a Costa Rica e a África do Sul. Nos países desenvolvidos e de maior destaque no turismo mundial, como França e Espanha, veja só, a contribuição direta, em 2017, foi respectivamente, 3,6% e 5,4% segundo o mesmo WTTC", explica. "Mesmo a indireta não vai muito além – 8,9% na França e 14,9% na Espanha."

Segundo o pesquisador, chegar a 10% de contribuição direta é impossível, dada a relativa diversificação da economia brasileira. Para subir a esse patamar, outros setores teriam de cair. E turismo não substitui o papel da indústria, por exemplo. E questiona se a parte do setor agropecuário brasileiro que apoia o presidente aceitaria a criação e manutenção de mais áreas protegidas e respeito às existentes, como parques nacionais, para incrementar os ganhos com o turismo.

O problema é que o Brasil está indo na contramão da garantia da qualidade do produto que é oferecido aos turistas. Além dos problemas já citados no início deste texto, Brenno Vitorino Costa destaca a falta de apoio à fiscalização ambiental do Ibama e de apoio à preservação do patrimônio cultural e histórico. "Outra ideia estapafúrdia foi sugerir a revisão das taxas de visitação das praias do parque nacional em Fernando de Noronha, pois o local já tem problemas gravíssimos de saneamento básico com o número atual de turistas."

A falta de visão estrutural sobre o turismo brasileiro, lembra o pesquisador, não começou com a gestão Jair Bolsonaro. O governo Fernando Henrique deu os primeiros passos e Lula implementou uma política, criando, inclusive, um ministério para a área. Mas as ações têm sido muito concentradas na captação de visitantes. "Não é só dizer 'venham, pois nossas maravilhas naturais são incríveis e nosso povo, hospitaleiro', enquanto se deteriora o patrimônio. Vamos lembrar que a qualidade da água das praias no país piora a cada ano e não é só pelo óleo recentemente derramado."

Por fim, Brenno Costa reclama de um grande sentimento de dejà vu. Explica que, em 2014 e 2016, o governo confiou à Copa do Mundo e aos Jogos Olímpicos a alavanca para fazer o país saltar a 10 milhões de turistas internacionais, no mínimo. "Saímos de 5 milhões e chegamos aos 6 milhões, enquanto isso, alguns vizinhos têm um crescimento muito maior, como o Peru. O problema é convencer as pessoas a voltarem."

Para além de aumentar a participação de turistas, seria necessário, segundo ele, melhorar drasticamente a imagem do país no exterior, principalmente no quesito segurança pública – primeiro item de preocupação do turista estrangeiro. E isso também inclui questões de saúde pública, como epidemias de dengue e outras doenças. E as guerras de palavras travadas pelo próprio presidente da República com políticos relevantes internacionalmente, que não contribuem para a construção de uma imagem positiva do país.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.