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Leonardo Sakamoto

Congresso e STF serão puxadinho da República se toparem desculpa de Eduardo

Leonardo Sakamoto

31/10/2019 19h38

O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e seu pai, o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro – Sergio Lima/AFP

O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) desculpou-se após repercussão negativa de uma entrevista na qual disse que uma saída para o Brasil, caso houvesse manifestações como no Chile, seria dar ao Executivo o poder de fechar o Congresso, cassar direitos e usar violência contra opositores. Ou seja, criar um novo AI-5, o ato institucional que inaugurou a fase mais sombria da ditadura militar.

Isso não foi um comentário sem intenção, mas faz parte de uma estratégia familiar de governo. Semana após semana, ela deprecia a democracia, enxovalha as instituições, fomenta um populismo autoritário, excita a base de militantes mais radicais, produz cortinas de fumaça para seus erros.

Um dos príncipes da família monárquica brasileira defendeu publicamente um ato que é uma das maiores aberrações produzidas em nossa história – ato que abriu caminho para a tortura e a morte de dissidentes políticos. O pedido de desculpas é, portanto, inútil, uma vez que a mensagem foi amplamente divulgada e absorvida, não apenas por seus seguidores. Afinal, uma das regras da internet é: o desmentido não chega tão longe quando a notícia original

É até risível Jair Bolsonaro criticar a entrevista do filho, como fez, uma vez que Eduardo apenas repete, como bom menino, o que o pai lhe disse a vida toda. O presidente é fã confesso de um torturador, o coronel Brilhante Ustra, defendendo a tortura como método de ação do poder público. Mas também se coloca como guardião do legado da ditadura militar, tendo demandado a celebração do golpe no quartéis no 31 de março.

O mais ridículo é que Os Bolsonaros sabiam que isso iria gerar barulho, sabiam que as manchetes dos veículos de comunicação e as redes sociais flodariam de críticas e elogios (encobrindo outros fatos, como os áudios constrangedores de Queiroz que vazaram à imprensa), sabiam que chegaria o momento em que seria feito um pedido de desculpas para dizer que tudo não passou de um mal-entendido.

Ao jornalista José Luiz Datena, na Band, Eduardo afirmou, na tarde desta quinta (31): "Peço desculpas a quem porventura tenha entendido que eu estou estudando o retorno do AI-5, ou achando que o governo de alguma maneira – mesmo eu não fazendo parte do governo – estuda alguma medida nesse sentido. Essa possibilidade não existe". Disse que houve "interpretação deturpada" do que afirmou à jornalista Leda Nagle.

Depois, em publicação nas redes sociais, explicou que não fica "nem um pouco constrangido de pedir desculpa a qualquer tipo de pessoa que tenha se sentido ofendida ou imaginado o retorno do AI-5″. Também afirmou: "Esse não é o ponto que nós vivemos hoje, no contexto atual do Brasil. A gente vive um regime democrático, nós seguimos a Constituição. Inclusive esse é o cenário que me fez ser o deputado mais votado da história".

O padrão é o mesmo do vídeo que compara Bolsonaro a um leão sendo encurralado por hienas que representariam o Supremo Tribunal Federal, partidos políticos, a OAB, a CNBB. Postado provavelmente por seu irmão, o vereador Carlos Bolsonaro, na conta de Twitter do presidente, gerou críticas e duras reações. Depois, Jair pediu desculpas. Mas, novamente, era inútil. Pois um grupo de manifestantes cercou o carro de Dias Toffoli, nesta quarta (30), bateu na lataria e estendeu uma faixa "Hienas do STF". Ou seja, a base absorveu o recado.

Qual recado a base vai absorver com a entrevista do AI-5? E com o presidente xingando jornalistas, aos berros, em uma live?

"Se a esquerda radicalizar a esse ponto, a gente vai precisar ter uma resposta. E uma resposta pode ser via um novo AI-5, pode ser via uma legislação aprovada através de um plebiscito como ocorreu na Itália. Alguma resposta vai ter que ser dada", foi a declaração inicial de Eduardo, dada no último dia 28, que causou repúdio entre parlamentares, magistrados, sociedade civil, sindicatos.

Concordo com essa última frase do deputado. Alguma resposta vai ter que ser dada. Se o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal aceitarem esse ataque direto à democracia, deveriam desistir do papel de serem freios e contrapesos ao Poder Executivo. E podem assumir a função de "puxadinho" do Palácio do Planalto. Ou, pior, de um Condomínio na Barra da Tijuca. Se assim for, Eduardo Bolsonaro tem razão: vai chegar o tempo em que, com um cabo e um soldado, será possível fechar o STF.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.