Neste Finados, atos pelo país acusam extermínio de jovens nas periferias
Por Bruno Paes Manso*, especial para o blog
No Acre, a poesia de Natielly Castro, de 19 anos, filósofa, MC e uma das criadoras do Slam das Minas no estado, faz parte de uma reação potente vinda de jovens moradores de territórios urbanos que precisam conviver com taxas elevadas de homicídio e violências.
"Hoje eu acordei e o racismo,
como tem feito por muito tempo,
bateu na minha porta
bateu na porta, na cara, no corpo
vários golpes e chicotadas
me colocou no pau de arara no século 21
por um chocolate
Menino, 17 anos nu e amordaçado pela fome
O genocídio não está só na morte
Está na fala, está falta, está na fome
O ser invisível, o preto que tu não vê"
Para dar sentido a um mundo cheio de armadilhas, como falta de emprego e escolas, armas em abundância, racismo, comércio ilegal de drogas e tiroteios, eles começaram a se articular para resistir, criar, sonhar e também cobrar e compartilhar experiências de luta por políticas públicas que promovam a vida.
A arte é apenas um dos caminhos nessa batalha. O desafio parece maior nos dias de hoje, já que nesses lugares, quando o Estado se faz presente, normalmente aparece como um exército em guerra, onde os inimigos são os próprios moradores dessas regiões.
Neste sábado (2), junto com outras periferias brasileiras, as poetas do Slam das Minas e outros grupos da sociedade civil vão realizar atos para lembrar o óbvio. As políticas públicas devem promover a vida. E que a morte e o extermínio não podem ser vistos como solução para nada.
No Espírito Santo, o movimento negro Círculo Palmarino realiza um sarau com a presença de diversas gerações do hip-hop capixaba. Na Bahia, em Pernambuco e em Minas Gerais, mães organizam caminhadas. Algumas dessas lideranças partiram para a luta como forma de ressignificar o luto pela perda dos seus filhos.
Na Maré, no Rio de Janeiro, o dia começa com um café da manhã e com uma oficina de autocuidado no espaço de acolhimento para mulheres e familiares vítimas da violência armada, entre uma série de atividades da qual participam jovens e crianças e que encerra com a colocação de uma placa do Memorial Maré no espaço conhecido como Divisa entre as favelas Nova Holanda, Parque Maré, Baixa do Sapateiro e Nova Maré.
A iniciativa deste dia de Finados foi inspirada nas caminhadas que ocorrem no Jardim Ângela, na periferia sul de São Paulo, desde 1996. Naquele ano, o bairro foi apontado como o mais violento do mundo por um estudo das Nações Unidas. A população achou que era hora de reagir.
Desde então, os moradores, além dos atos públicos, passaram a se articular no Fórum em Defesa da Vida para cobrar do poder público a chegada de um hospital na região, melhorias em escolas e serviços de assistência social, construção de três bases de policiamento comunitário, entre outras medidas. Hoje, será a 24ª Caminhada pela Vida e pela Paz.
A ideia do movimento é articular espaços para que as periferias troquem experiências de lutas e discutam políticas públicas que ajudem a tornar seus territórios espaços menos desiguais, tanto política como economicamente.
Para mais informações sobre a programação, acesse o site da organização.
(*) Bruno Paes Manso é jornalista, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, doutor em Ciência Política e um dos autores do livro "A Guerra: a ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil".
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