"Povo não vai gostar”, diz prefeito de município que Guedes quer extinguir
"A população de Dom Macedo Costa jamais concordaria com essa proposta do governo. É um absurdo, um retrocesso. Se isso for levado a sério, os prefeitos vão para Brasília para garantir que não passe."
Foi assim que Egnaldo Piton Moura, conhecido como Guito da Saúde, prefeito de Dom Macedo Costa, na Bahia, localidade a 186 quilômetros de Salvador, com população estimada em 4.058 habitantes, recebeu a informação sobre a proposta do governo Jair Bolsonaro de extinguir municípios com menos de 5 mil almas sem autonomia financeira.
"Acabar com o município? As pessoas têm sua própria identidade, o seu pertencimento, sua cultura, seu modo de vida. Imagine só… elas teriam que sair daqui para resolver questões em outros municípios. Fomos emancipados há 57 anos. Aqui tem história, tem contexto", explica Guito, que é agente de saúde e sanitarista.
A proposta de emenda constitucional do Pacto Federativo – apresentada nesta terça (5) pelo presidente da República e o ministro da Economia, Paulo Guedes, ao Senado Federal – quer que municípios com menos de 5 mil habitantes e arrecadação própria de menos que 10% da receita total sejam fundidos a outros.
Dom Macedo Costa depende dos recursos do governo federal repassados através do Fundo de Participação dos Municípios, das aposentadorias dos trabalhadores rurais e do Bolsa Família. Ele teve, em 2018, receita total de R$ 14.782.250,07 – dos quais R$ 543.785,87 eram receita própria. Ou seja, a receita própria representou 3,68% da receita total, de acordo com dados do Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia.
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Guito da Saúde afirma que a situação não é por falta de empenho – "As pessoas do campo vendem sua produção, diretamente da agricultura familiar, e buscamos selo para exportar para outros países. Estamos tentando oferecer terrenos para trazer fábricas e empresas e fazendo cursos de corte e costura, além de organizar cooperativas." E reclama da falta de recursos para gastos sociais e investimento por parte do governo federal. O prefeito é do PT e foi eleito com uma coligação que inclui DEM, PC do B, PR e Solidariedade.
Seu correligionário, deputado federal e vice-líder da Minoria na Câmara, Afonso Florence (PT-BA), é um dos parlamentares que está conduzindo o debate sobre a Reforma Tributária no Congresso Nacional. Há uma discussão sobre uma emenda para garantir viabilidade orçamentária e financeira a municípios menores, como Dom Macedo.
Ele explicou ao blog que a a ideia é constituir consórcios de municípios para fins tributários com a liderança dos municípios maiores. O consórcio estruturaria o processo tributário nos menores, o que inclui organizar a arrecadação do Imposto sobre Serviços (ISS), do Imposto Territorial e Predial Urbano (IPTU) e do Imposto Territorial Rural (ITR).
"Um município existe porque a população decidiu pela emancipação. Às vezes, até por conta de rivalidades. É um processo identitário que marca a vida e a história das pessoas. A solução passa por garantir viabilidade econômica e orçamentária e não adotar uma ideia de alguém que está longe, na Esplanada dos Ministérios, de extinguir o município", afirma. "A proposta de Paulo Guedes é um descalabro, um pacote de maldades. E ainda coloca a culpa no parlamento, afirmando que a demanda surgiu dos políticos."
O país tem 1.253 municípios com menos de 5 mil habitantes, segundo o IBGE – 22,5% do total de 5.570 municípios. De acordo com a proposta, os municípios terão que comprovar até o final do primeiro semestre de 2023 que arrecada, pelo menos, 10% de sua receita. Como isso mexe com as bases de sustentação de muitos deputados, a chance dessa proposta ser aprovada é baixa, a ponto de já nascer sendo chamada de "o novo bode na sala". Até lá, vai haver muita reclamação contra Bolsonaro e Guedes.
Ou, nas palavras de Guito: "O povo não vai gostar disso, não".
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