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Leonardo Sakamoto

Ritmo de queda do desemprego definirá polarização entre Lula e Bolsonaro

Leonardo Sakamoto

09/11/2019 14h02

Momento em que o ex-presidente Lula deixa a Polícia Federal em Curitiba. Foto: Henry Milleo/AFP

Lula livre trará novo fôlego de popularidade ao governo Jair Bolsonaro ao fortalecer a identidade reativa ao ex-presidente e o antipetismo. Isso é o que defendem muitos analistas após a sua libertação nesta sexta (8). Em outras palavras: sendo Lula o capiroto encarnado para uma parte da população, o capitão é o exorcista que terá seus pecados capitais relevados porque é o único com acesso à água benta em quantidade.

Petistas graúdos que falaram ao blog, em condição de anonimato, defendem que esse processo, contudo, não é tão simples, com diversas variáveis em jogo. Uma delas é o ritmo de queda de desemprego.

Lembraram que a taxa de desocupação vem caindo sim – mas em nome da informalidade. Dados do IBGE, da última quinta (31), mostram que temos 11,8 milhões de pessoas sem carteira no setor privado no terceiro trimestre – aumento de 2,9% (338 mil pessoas) com relação ao trimestre finalizado em junho. Já os trabalhadores por conta própria atingiram 24,4 milhões de pessoas, mais 1,2% (293 mil pessoas). A queda no desemprego vem ocorrendo na base de postos precários e sem direitos ou de gente que se vira, vendendo bolo na rua ou entregando comida por aplicativo.

Afirmaram que o governo federal ainda não apresentou proposta sólida para fomentar a assinatura de carteiras de trabalho. Duvidam do potencial das medidas baseadas em desoneração da folha de pagamentos, que devem ser anunciadas na semana que vem pela equipe de Bolsonaro, pois já teriam sido adotadas por administrações petistas sem muito sucesso. Além disso, a economia cresce lentamente e os pacotes apresentados pelo ministro Paulo Guedes, que reduzem o papel do Estado, trarão impacto de médio e longo prazos se fossem aprovados. E, ainda assim, causando danos à efetivação de direitos sociais.

Se empregos formais estiverem sendo gerados em grande quantidade e a renda média inverta a curva de queda no ano que vem, parte significativa das classes média e baixa apoiará o governo, votando em seus candidatos nas eleições municipais do ano que vem. Mesmo aqueles que discordam da agenda ultraconservadora de Bolsonaro podem tapar o nariz e seguir em frente. Isso reverteria a queda nas taxas de aprovação do governo (que se encontram nos cabalísticos 30% – e caindo), levando a avançar sobre quem não se identifica com nenhum dos polos. 

Os petistas citam o caso de 2006. Mesmo com as denúncias do mensalão, Lula foi reeleito. O desemprego caía e a população estava satisfeita com a "cidadania via consumo" – o que se mostrou uma política equivocada no longo prazo e, portanto, outra história.

Se os departamentos de Recursos Humanos das empresas estiverem com cãibra de tanto assinar carteiras azuis no ano que vem (cenário difícil de acontecer), Bolsonaro terá facilidade em conduzir um ambiente polarizado – e pode triunfar. Contudo, se isso se mostrar distante, a classe trabalhadora – que é pragmática pelo que já foi discutido acima – pode, cansada, procurar outras alternativas. Nesse cenário, Lula deve colher frutos ao investir no discurso de que, na sua época, não faltava emprego.

Enquanto isso, Bolsonaro reforçará a narrativa de que o PT quebrou o Brasil. O discurso de Lula, sobre a saudade da bonança de seu governo, terá que contar, portanto, com um aumento no descontentamento em relação a Bolsonaro. Pelo menos a ponto de fazer sombra ao período de crise que começou no governo Dilma Rousseff.

Um das cobranças mais frequentes a Lula e ao PT é da reinvenção de sua narrativa, com a apresentação de um novo projeto de país que se oponha ao bolsonarismo. Os petistas ouvidos reconheceram a dificuldade de encaixar essa necessidade. Afinal, um dos principais recalls da esquerda é exatamente a lembrança da grande oferta de empregos até 2014. Oferecer um outro futuro é mais difícil do que relembrar do passado. A narrativa desse período e Lula são inseparáveis. Ou seja, diante disso, não haverá investimento em outros quadros para disputar a Presidência da República.

Para entender como será a polarização entre Lula e Bolsonaro, de acordo com aqueles que foram ouvidos pelo blog, faz-se necessário, portanto, olhar mais os números do Caged (que registra a criação de vagas formais) e da PNAD Contínua do que as contas de Twitter de ambos.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.