Topo

Leonardo Sakamoto

Crianças de 7 a 11 anos são retiradas do trabalho em casas de farinha na BA

Leonardo Sakamoto

17/11/2019 12h04

Criança de 11 anos tenta alternar a raspagem da mandioca com estudos. Sonha em ser veterinária. Foto: Anderson Miron Magalhães

Onze crianças e adolescentes, de sete a 17 anos, foram retirados da produção de farinha de mandioca na Bahia e em Sergipe, durante operação de fiscalização do governo federal. A atividade está relacionada na Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil, ou seja, proibida para menores de 18.

A ação, que começou no dia 23 de outubro, contou com a participação de auditores fiscais do trabalho do Ministério da Economia, um procurador do Ministério Público do Trabalho, um representante da Defensoria Pública da União e agentes da Polícia Rodoviária Federal.

Quatro casas de farinha foram inspecionadas no município de Crisópolis (BA) e, em duas delas, encontrados quatro crianças e adolescentes em cada uma – a mais nova tinha sete anos e o mais velho, 17. Entre os trabalhadores, uma menina de 11 tentava alternar a raspagem da mandioca com o dever de casa da escola. Segundo fiscais do trabalho, ela sonha em ser veterinária.

O recebimento Bolsa Família, que perdeu seu poder de compra, não é suficiente para garantir que a criança fique fora do arranjo produtivo e há famílias que afirmaram preferir levar os filhos para ajudar no trabalho.

Já em Lagarto e Campo de Brito, em Sergipe, foram 12 casas de farinha inspecionadas, com três adolescentes (de 15, 16 e 17 anos) encontrados em duas delas. Não havia crianças trabalhando nos locais fiscalizados nesse Estado.

"Surpreendeu um caráter de consciência coletiva dos trabalhadores sobre a proibição de crianças nessa atividade em Sergipe. Muitos repetiam que trabalho infantil não deveria estar presente em casa de farinha, que aquilo não era lugar para criança", afirmou ao blog o auditor fiscal Magno Riga, que coordenou a operação. A produção de farinha em Sergipe é mais estruturada que na Bahia.

A lei proíbe quem tem menos de 18 anos de atuar nessa atividade, que está relacionada na Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil (Lista TIP), de acordo com o decreto 6.481/2008. Ele regulamenta a Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho que trata do tema. De acordo com a Lista TIP, a atividade da fabricação de farinha de mandioca envolve esforços físicos intensos, acidentes com instrumentos pérfuro-cortantes, movimentos repetitivos, temperaturas altas. Entre os prováveis riscos à saúde estão contusões, cortes, queimaduras, amputações, tendinites, entre outros.

Situação de grave risco 

Ao todo, 118 trabalhadores estavam sem carteira assinada. Além de multar os responsáveis e retirar as crianças e adolescentes, a fiscalização notificou-os para registro de todos os empregados. Apenas uma das unidades, com oito trabalhadores, estava formalizada porque havia sido fiscalizada no ano passado. De acordo com Magno Riga, todas as casas, com exceção daquelas de economia familiar, foram interditadas porque o maquinário colocava em grave e iminente risco a saúde e a segurança dos trabalhadores. "Não temos competência para interditar locais onde não há relações de emprego", afirma.

Segundo a fiscalização, assim que ocorrerem os ajustes, as unidades podem ser reabertas – lembrando que máquinas de processamento de farinha podem causar amputação de membros se não estiverem de acordo com as normas. A fiscalização avisou aos donos das casas de farinha que a lei garante a manutenção do pagamento dos trabalhadores enquanto houver a interdição.

A Prefeitura de Lagarto disponibilizou técnicos para ajudar nessa adequação. E professores da Universidade Federal de Sergipe, que contam com um acúmulo no estudo desse setor, vão prestar consultoria.

Em Sergipe, os adolescentes receberam quase R$ 5 mil de direitos trabalhistas e verbas rescisórias cada. Na Bahia, as casas foram notificadas, mas crianças e adolescentes ainda não tiveram as contas acertadas pois, segundo os empregadores, ainda não tinham dinheiro para tanto. "É uma situação de um miserável explorando o outro", afirma Riga.

"O que identificamos como um dos principais problemas do setor é o comércio extremamente injusto. Recebem um valor muito baixo pelo produto e os atravessadores e intermediários ficam a maior parcela da renda que esse produto gera. É uma cadeia pulverizada, com centenas de produtores e dezenas de vendedores, mercados públicos, revendedores em povoados, distribuidores que levam para o Centro-Sul", afirma Magno Riga.

A operação faz parte de um projeto desenvolvido pela Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério da Economia, em que identificam, a partir de dados estatísticos, focos prioritários de trabalho infantil. O objetivo é erradicar essa prática sem criar impacto negativo na atividade econômica, garantindo que apenas o trabalho dos adultos seja suficiente para manter as famílias.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.