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Tomar partido é preciso

Leonardo Sakamoto

17/01/2009 09h21

O tema é complexo, então me perdoem as simplificações. As pessoas veem e sentem o mundo de formas diferentes. Cada um "filtra" o dia-a-dia da sua maneira e constrói diferentes realidades. Cada um possui preconceitos, medos, interesses pessoais que mudam a forma como entendemos e interpretamos as coisas. Duas pessoas que estão lado a lado vendo um mesmo fato podem não contar a mesma história.

A melhor forma de contar uma história é assistindo-a pessoalmente. Se for impossível isso, deve-se ouvir o maior número possível de pessoas que viram ou participaram do fato. Cada um vai dar sua versão, recheada de opiniões pessoais. Cada um vai contribuir com a reconstrução de uma realidade que passou. Com a sobreposição de versões é possível montar um retrato aproximado do fato. Quanto mais versões ouvidas, mais completo será o retrato.

Veículos de comunicação não são imparciais. Pertencentes a empresas, governos ou sociedade civil eles têm opiniões e interesses. O que não é ruim – ruim é esconder isso do leitor. Recentemente, o jornal The New York Times publicou um artigo de análise econômica e no rodapé, naquele espaço em que explicam quem é o autor, explicaram que alguns papéis tratados no texto poderiam ter relação com os papéis comercializados por um dos autores. Quando determinado jornal declara voto em um candidato logo no começo da campanha ajuda o leitor a entender o que vai ler. Pois, querendo ou não, isso vai influenciar muita coisa internamente.

O alinhamento automático de um jornalista com as opiniões do veículo e de seus proprietários, faz com que uma boa notícia morra antes mesmo de nascer. Tendo interiorizado as posições da empresa, repórteres, fotógrafos e – principalmente – editores aderem alegremente e passam a reproduzi-las. Agem de forma orquestrada, sem necessidade de serem orquestrados. Mas a manipulação não é a única forma de distorção dos fatos, por incrível que pareça. A preguiça e a incompetência de colegas de profissão diante do trabalho pode fazer estragos incacalculáveis.

Mesmo tendo o seu alinhamento, muitas empresas de mídia recomendam que seus empregados evitem alinhamento público com um dos lados de uma questão. Exigem uma atitude "profissional". Porém, se a imparcialidade é impossível, não seria melhor ser sincero com o leitor e revelar seu "lado" na história ao mesmo tempo em que se abre espaço para ouvir o maior número possível de lados de uma questão?

Já cobri guerra e locais com conflitos armados. Sempre tentei ouvir ao máximo os dois lados da questão – no caso de Timor Leste, fiz mais de 70 entrevistas em dois meses de trabalho. Por isso, falo com todas as letras: não existe observador independente. Você vai influenciar aquela realidade e ser influenciado por ela. E vai tomar partido, como tomei e deixei claro ao leitor. Sei que há colegas de profissão que discordam, que dizem que é necessário buscar uma pretensa imparcialidade. O que só seria possível se nos despíssemos de toda a humanidade. Há quem tente ferozmente e ache bonito. Nessas situações tomei partido de quem estavam sofrendo graves violações de direitos humanos e não me arrependo.

Tomar partido se reflete na escolha da que pauta você vai fazer, sob a ótica de quem. Concordo com Robert Fisk, o lendário correspondente no Líbano do jornal inglês Independent, que diz que em situações de confronto, de limite, deve-se tomar opção pelos mais fracos. Ou, mais especificamente, dos empobrecidos e marginalizados, no que se refere à realidade política, econômica, social, cultural e ambiental do país.

Tomar partido não significa distorcer os fatos, pelo contrário, é trazer o que historicamente é jogado para baixo do tapete, agindo conscientemente no sentido de contrabalancear junto à opinião pública o peso dos lados envolvidos na questão. Distorcer é má fé, preguiça ou incompetência – coisa que muito jornalista que se diz imparcial faz aos montes, aplaudido por quem manda. Aqui ou lá.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto