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Por que a mulher deve adotar o sobrenome do marido?

Leonardo Sakamoto

13/08/2009 02h02

Um estudo apresentado no encontro da American Sociological Association apontou que 70% da população dos Estados Unidos acha que as mulheres deveriam adotar o sobrenome dos maridos. E 50% defendem que deveriam ser legalmente forçadas a isso.

Sei que tanto lá como aqui a sociedade é patriarcal e machista. Mas os números assustam. Uns vão chamar de tradição – esquecendo que tradição é algo construído, muitas vezes pela classe (ou gênero) dominante. Mas, pense pelo outro lado, se for para trocar, que tal invertermos e os homens começarem a adotar os sobrenomes de suas esposas?

Tempos atrás, o juiz Edilson Rumbelsperger Rodrigues, havia proferido uma sentença que expressa bem esse espírito de que homens e mulheres têm seus lugares demarcados. Em um dos trechos ele diz: "Ora, a desgraça humana começou no Éden: por causa da mulher, todos nós sabemos, mas também em virtude da ingenuidade, da tolice e da fragilidade emocional do homem (…) O mundo é masculino! A idéia que temos de Deus é masculina! Jesus foi homem!"

E ao criticar a lei Maria da Penha, contra a violência doméstica, disse: "A vingar esse conjunto de regras diabólicas, a família estará em perigo, como inclusive já está: desfacelada, os filhos sem regras, porque sem pais; o homem subjugado".

O pior não é encontrar peças jurídicas com um grau de preconceito, estupidez, machismo e ignorância como essas. Se elas fossem apenas distorções, vá lá, uma instância superiora célere, competente e honesta seria capaz de revertê-las e um conselho de justiça aplicaria um corretivo no magistrado em questão. O problema é saber que, infelizmente, essas análises rasas refletem um naco da sociedade brasileira formado por ricos e pobres, letrados ou não.

Os referidos juízes passaram pelos duros processos de seleção para se tornarem magistrados. Portanto, não são portas burras. Ou seja, não é uma questão de educação pura e simples. É consciência. E isso não se aprende na escola, nem é reserva moral passada de pai para filho nas famílias ricas. Mas sim na vivência comum na sociedade, na tentativa do conhecimento do outro, na busca por tolerar as diferenças.

Pesquisas apontam que a violência doméstica não é monopólio de determinada classe social e nível de escolaridade. Homofobia e machismo são problemas que ocorrem em toda a sociedade, da norte-americana à brasileira. OK, coloquemos a culpa no processo de formação do Brasil, na herança do patriarcalismo português, nas imposições religiosas, no Jardim do Éden e por aí vai. É mais fácil atestar que somos frutos de algo, determinados pelo passado, do que tentar romper com uma inércia que mantém cidadãos de primeira classe (homens, ricos, brancos, heterossexuais) e segunda classe (mulheres, pobres, negras e índias, homossexuais etc). Tem sido uma luta inglória, mas necessária, tentar abrir a cabeça da sociedade. Isso inclui uma profunda reflexão com a exposição daqueles que, em cargos públicos, rasgam os preceitos básicos dos direitos fundamentais.

Mas também depende da ação individual de cada um. Quando casar, pense muito bem antes de dizer algo no cartório, porque a opressão adota formas diferentes. Muitas vezes travestidas de um simples costume.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto