Traga sua poluição para o Brasil, diz BNDES
Leonardo Sakamoto
14/10/2009 13h48
Rio de Janeiro – Na década de 70, quando questionar o padrão de desenvolvimento da ditadura resultava em vestir sapatos de concreto no fundo do oceano, um anúncio do governo do Estado de Goiás foi veiculado em revistas. Em uma foto em preto e branco, duas chaminés cuspiam fumaça no céu. Embaixo, um convite: "Traga a sua poluição para Goiás".
Com o passar dos anos, a fronteira agrícola avançou para o Norte e, com ela, esse discurso de crescimento econômico a qualquer custo. Que se manteve, adaptando-se às novas realidades. Mudam-se os rótulos, ficam as garrafas.
Luciano Coutinho presidente do BNDES, afirmou que o governo negocia com empresários japoneses a instalação de uma siderúrgica. Segundo o jornal Folha de S. Paulo, ele disse que o novo governo do Japão é muito rigoroso em matéria ambiental e não quer permitir novas siderúrgicas naquele país. Enquanto isso, Coutinho quer ver novos investimentos na área.
Parafraseando a antiga propaganda, poderia começar uma nova campanha: "Traga a sua poluição para o Brasil". Aqui é fácil usar madeira nativa da Amazônia, Cerrado ou Pantanal na produção de carvão vegetal para abastecer as siderúrgicas de ferro-gusa. E se ainda assim se fizer necessária uma economia, pode-se adotar o exemplo de algumas empresas e usar escravos e crianças no processo de carvoejamento.
Não que isso seja uma novidade, uma vez que a instalação de grandes empresas de países desenvolvidos na periferia do mundo se deve também à busca de locais com menos organização sindical (ou seja, garantia menor de acesso aos direitos trabalhistas), leis ambientais mais frouxas ou sistematicamente ignoradas, recursos naturais prontos para serem usados (ou pilhados) e corrupção pública e privada a rodo. Ou alguém acha que o fato de muitos países terem transferido suas plantas industriais para cá se deve apenas à alegria de nosso povo ou à beleza do nosso Carnaval?
O presidente do BNDES poderia encabeçar uma outra campanha, que passe por garantir que todos os recursos públicos só venham a ser concedidos a quem não tiver problemas em seu negócio ou nas cadeias produtivas que o sustentam. Há iniciativas do banco que engatinham nesse sentido, mas são tímidas. Ainda mais diante do sempre presente discurso de que fazemos qualquer negócio. Afinal, este é um país que vai pra frente.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.