Índios são agredidos no Sul da Bahia. De novo
Leonardo Sakamoto
24/02/2010 18h38
Membros da Aldeia da Serra do Padeiro sofreram ataques e ameaças de fazendeiros durante manifestação de produtores rurais contra a demarcação de terras Tupinambá, no Sul da Bahia. Segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), dois indígenas estavam na cidade de Buerarema vendendo farinha produzida na sua comunidade quando foram abordados por fazendeiros que os perseguiram e destruíram veículos usados pela aldeia.
De acordo com o Cimi, revoltados, os indígenas ocuparam uma fazenda localizada em uma reserva já demarcada, mas cuja posse ainda está com um dos incentivadores da agressão. A Polícia Federal teria desocupado a propriedade com violência, atirando e intimidando. Os que não conseguiram fugir para a mata foram detidos sob acusação de formação de quadrilha e reação à prisão, sendo depois liberados. "Temos direito à terra que nos pertence tradicionalmente. Além disso, esse fazendeiro é o principal agitador do povo contra nossa comunidade, mesmo não tendo motivos para isso", afirmou a liderança Glicélia Jesus da Silva.
Isso me lembra dois fatos tristes. Primeiro, uma campanha veiculada anos atrás no Sul da Bahia, patrocinada por empresas e organizações ditas sociais. Fazem parte de um discurso terrorista contra os povos indígenas, que ajuda a criar um contexto em que perseguições nas cidades se tornam cada vez mais frequentes. Vá para Roraima e para o Mato Grosso do Sul, por exemplo, e perceba, através dos argumentos contra eles, o estrago das campanhas pelo "progresso" feito no imaginário popular. Que nem tocam na possibilidade de o desenvolvimento ser feito de forma sustentável, o que inclui, não perseguir índios no meio da rua.
E a História continua sendo escrita e reescrita pelos conquistadores. No ritmo em que vão as coisas, se for deixar a elaboração dos livros didáticos na mão desse povo aí do outdoor, não me surpreenderia que fossem feitas algumas atualizações… "Em 22 de abril de 1500, o proprietário rural português Pedro Álvares Cabral, quando aportou no Sul da Bahia, estabeleceu comércio com caciques empreendedores, trocando miçangas por toras de eucalipto – o que foi altamente lucrativo para os locais. A primeira missa foi celebrada com a presença de dezenas de operários – entre os turnos da tarde e da noite – de forma a não prejudicar a produção…"
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Além disso, o caso da violência contra os indígenas no Sul da Bahia também me lembrou de um trecho do documentário "Humilhados e Ofendidos", de César Brie, sobre a violência sofrida por camponeses em Sucre, na Bolívia, em maio de 2008.
Eles foram espancados, humilhados, obrigados a andar nus na praça principal e a negar suas origens. Por quê? Porque são uma maioria indígena, lutando para ter direitos, em um país economicamente dominado por uma elite, muitas vezes, preconceituosa e reacionária.
É lá, mas podia ser aqui.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.