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São Paulo está envolta em um chumaço de poluição

Leonardo Sakamoto

02/07/2010 13h49

Retornando a São Paulo pelo alto dia desses, tive o desprazer de me deparar novamente com a cidade imersa em uma camada marrom e espessa, uma nhaca de dezenas de metros de altitude e quilômetros de largura. Gororoba que não é de agora, mas que fica pior no inverno por conta da dispersão dos poluentes ser menor.

Este foi o junho mais seco dos últimos sete anos. E a previsão de chuva, ou melhor dizendo de falta dela, só tende a piorar a situação.

Quem nunca veio a São Paulo talvez tenha dificuldade em imaginar o que é conviver com uma faixa escura preenchendo o lugar onde estaria o horizonte – levantado, por ela, alguns centímetros do seu lugar de direito. Talvez pelo fato disso parecer distante, o paulistano não acredita que está imerso nessa coisa. Só cai na real quando os olhos começam a coçar, a asma ataca ou aquele pigarro fica mais comprido que o de costume. Os pronto-socorros pululam de gente, principalmente crianças e idosos, atendidos por problemas respiratórios causados ou agravados pela poluição.

A verdade é que nos acostumamos a viver dentro de um fumódromo, literalmente. Pois no longo prazo, quem vive em São Paulo mesmo sem tragar tabaco está mais sujeito a desenvolver câncer de pulmão do que moradores de cidades menos "desenvolvidas".

Chamam de inversão térmica o maldito efeito que dificulta a dispersão de poluentes nessa época do ano (incrível como a natureza é culpada pelas desgraças que nós mesmos cometemos, como se ela tivesse colocados os poluentes lá). Os noticiários salpicam aqui e ali a inversão térmica, mas nada de falar sobre o nosso modo de vida e seu conseqüente modelo de desenvolvimento – verdadeiros réus pela nhaca que paira sobre nós. Carbono, enxofre, chumbo e uma sopa de produtos químicos expelidos principalmente por veículos. Ao invés disso, comemoramos cada novo recorde de produção e comercialização de veículos. Eu sei, eu sei… isso gera empregos, roda a economia, é progresso! Mas se por um lado esse crescimento econômico dá a possibilidade de ter acesso a coisas que não tínhamos antes, por outro outro ele nos tira preciosos dias de nossa vida. Pois respirar o ar de São Paulo certamente nos leva mais cedo para a sepultura.

O município tem uma manada de quase um carro a cada dois habitantes, cuspindo fumaça no céu. Culpa em parte do nosso pífio sistema de transporte público, que apesar de ter melhorado um pouco nos últimos anos, está longe ainda de garantir que o paulistano, que tem carro, deixe-o em casa. Mas também é consequência de cultivarmos um estilo de vida em que o sonho de liberdade caminha sobre rodas.

E não é a inspeção veicular que vai dar conta de resolver o problema. Vamos expulsar Fuscas, Brasílias, Variants, 147s, caminhões velhos de circulação (ou seja, eliminar o meio de locomoção da ralé), mas as propagandas que anunciam carros grandes e potentes, beberrões de gasolina e diesel na televisão continuarão povoando o imaginário e sendo adquiridos pelas classes abonadas. O Rodoanel pode até eliminar parte dos caminhões, mas a frota paulistana vai continuar aqui.

O ritmo de destruição do meio foi acelerado para atender a consumidores, mas não cidadãos. E vem cobrando um preço alto, cuja fatura será paga por aqueles que ainda são pequenos. Florestas tombam, rios são poluídos, camponeses e índios expulsos de suas terras. A cidade está envolta em um bizarro chumaço de algodão marrom. Trocar uma sociedade estritamente consumista, em que o "eu sou" se confunde com o que "eu tenho", leva tempo. Talvez o meio ambiente não tenha esse tempo.

É um modelo diferente de urbanidade que eu quero. Um em que não tenha que ficar angustiado por causa de um pôr-do-sol estranhamente avermelhado, fruto da poeira suspensa no ar. Estou vendendo meu carro para voltar a ser o que sempre fui, um bípede.

Mas conterrâneo paulistano, não desejo convertê-lo a nada, longe disso. Só quero o céu da minha cidade de volta.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto