A boa disputa entre fazendas de vento e de cana
Leonardo Sakamoto
04/09/2010 10h31
O avanço na produção e comercialização de energia eólica no Brasil tem incomodado produtores de biomassa (como o bagaço queimado usado geração de energia elétrica, resultante da moagem de cana em usinas). Dizem que as "fazendas de vento" têm se beneficiado de financiamentos diferenciados e isenções de impostos. Considerando os leilões de energia elétrica em 2010, o preço médio do MWh contratado ficou em R$ 130,86 na eólica e R$ 144,20 na biomassa, de acordo com matéria publicada neste sábado pelo jornal Folha de S. Paulo.
Injusta a gritaria dos produtores de cana, uma vez que bilhões em apoios e isenções fluíram para o setor desde o Proálcool na década de 70. E continuam fluindo, haja visto o apoio dado pelo governo federal, através de suas instituições de fomento, ao setor sucroalcooleiro. Que, nos últimos anos, ganhou até um garoto-propaganda de luxo, o próprio presidente da República.
Mesma sorte não teve outras tecnologias como as de produção de energia eólica e solar. Enquanto outros países incorporaram os gigantes cataventos brancos à sua paisagem, nós ainda nos surpreendemos quando avistamos um por aqui. Isso sem falar dos painéis fotovoltaicos que, no Brasil, ainda são coisa rara enquanto que, em alguns países europeus, ocupam os telhados das casas transformando residências em pequenas usinas – que podem tanto consumir da rede quanto abastecê-la. Ou seja, qualquer incentivo dado nessa área será até pouco comparado com o tempo perdido.
Que o lobby do setor sucroalcooleiro fará pressão, isso é esperado e faz parte do jogo democrático. O governo, contudo, deve pensar na qualidade de vida das futuras gerações (no ar que respiramos, na água que bebemos, na garantia que a terra seja prioritariamente destinada para a produção de comida), que depende das decisões que tomarmos agora, mesmo que elas custem mais dinheiro público no curto prazo.
Vale ressaltar que, se por um lado, a produção de cana trouxe riqueza para alguns, por outro continua a demonstrar graves casos de impactos sociais, ambientais e trabalhistas em suas lavouras. Da contaminação de aquíferos ao trabalho escravo, há muito o que melhorar no setor para que ele possa ser considerado, de fato, limpo.
Ou seja, se este incômodo trouxer uma competição para ver quem causa menos problemas, ótimo. É um incômodo pra lá de bem-vindo.
PS: Não estou nem tocando nos impactos da hidroeletricidade das grandes obras porque senão vira covardia. É mais barata, claro, mas pergunte para as comunidades que estão sendo substituídas a toque de caixa por barragens o que elas acham disso…
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.