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Eleições: entre o crescimento e os direitos fundamentais

Leonardo Sakamoto

02/10/2010 11h15

O Brasil avançou muito nos últimos anos, mas ainda não conseguiu garantir padrões mínimos de qualidade de vida aos seus trabalhadores rurais. Ocorrências de condições degradantes de emprego, trabalho infantil, superexploração, remuneração insuficiente para as necessidades básicas são registradas com freqüência. Prisões, ameaças de morte e assassinatos de lideranças rurais e membros de movimentos sociais que reagem a esse quadro também são constantes e ocorrem quase que semanalmente. A estrutura fundiária extremamente concentrada funciona como uma política de reserva de mão-de-obra, garantindo sempre disponibilidade e baixo custo da força de trabalho para as grandes propriedades rurais.

Parte do agronegócio brasileiro ainda não consegue operar dentro das regras do jogo, fazendo com que o meio ambiente sofra as conseqüências do desmatamento ilegal, da contaminação por agrotóxicos, do assoreamento e poluição de cursos d'água, entre outros. Da mesma forma, para a ampliação da área cultivável, há um histórico de expulsão de comunidades tradicionais, sejam elas de ribeirinhos, caiçaras, quilombolas ou indígenas, ação que ficou mais intensa com a colonização agressiva da região amazônica a partir da década de 70. Esse tipo de ação tem sido sistematicamente denunciado pelos movimentos sociais brasileiros às organizações internacionais.

O problema não é a lei. O país possui uma legislação que, se fosse seguida corretamente, seria capaz de resolver boa parte dos problemas sociais que ocorrem nessas situações. Mas os governos, até agora, não têm tido a coragem de comprar briga com um setor que se, de um lado, traz divisas e gera empregos ao Brasil, do outro, causa impactos negativos quando opera na ilegalidade. A força política dos proprietários rurais continua sendo um entrave para a mudança dessa estrutura. Pois a necessidade do governo brasileiro de divisas para honrar seus compromissos externos contribui com o laissez-faire no campo.

O detentor da terra na Amazônia, por exemplo, muitas vezes exerce o poder político local, seja através de influência econômica, seja através da força física. O limite entre as esferas pública e privada se rompe. Nos parlamentos e governos, há representantes dos poderes legislativo e executivo eleitos com doações provenientes dos lucros de fazendas que desmataram, expulsaram índios, usaram trabalho escravo. Poderia dar uma capivara de nomes (publiquei, neste espaço, ao longo dos anos, muitos deles), mas não quero individualizar o problema e sim entendê-lo.

Há no Congresso Nacional um influente grupo de parlamentares que defende os interesses do setor, a chamada "bancada ruralista". Infelizmente, parte desses deputados, tem inviabilizado a aprovação de medidas importantes que poderiam ajudar a efetivar os direitos fundamentais no campo. Temem que isso diminua os lucros dos proprietários rurais, seus principais eleitores. O que é uma besteira. Pode-se ganhar muito fazendo a coisa certa, desde que haja vontade e investimento.

É necessário acelerar a efetivação dos direitos dos trabalhadores e alterar a estrutura agrária brasileira. A tarefa é árdua, tendo em vista as razões expostas anteriormente, e passa também por mudanças políticas e econômicas que, certamente, irão incomodar as elites rurais, industriais, comerciais e financeiras, tanto do Brasil como do exterior, que lucram com esse sistema. O país deve se tornar, em breve, a quinta maior economia do mundo. Temos que garantir que isso não seja feito com base na dilapidação dos direitos dos mais humildes.

Para tanto é necessário um enfrentamento político contra as condições que garante a exploração do trabalhador e do meio ambiente. No momento em que a campanha à Presidência da República chega à reta final, é preciso que seja ouvido, em alta voz,o comprometimento dos candidatos. Caso contrário, as forças arcaicas, com a bonita maquiagem do moderno, permanecerão hegemônicas.

Por fim, na legislatura de deputados federais que se encerra em 2010, o patronato rural aglutina mais de uma centena de congressistas. A quantidade de integrantes desse bloco suprapartidário é resultado direto do apoio recebido por meio das urnas. É fundamental que os eleitores conheçam bem as idéias e os projetos daqueles que, neste domingo, serão votados na corrida por uma vaga no Congresso. Desde que respeitem os princípios da democracia, do diálogo e da pluralidade, políticas e políticos têm o direito de defender o que lhes convêm.

O que não convêm ao eleitor é dar carta-branca a um representante que possa atuar contra as convicções do próprio representado. Ou atacar a sua própria dignidade legislando para uma minoria em detrimento de muitos. Se você está lendo este texto agora, tem acesso à internet. Dê, ao menos, um Google no nome do seu candidato e veja se ele está envolvido em algo grave. Entre no site o TSE e veja de quem ele recebeu dinheiro de campanha. Parece que não, mas isso faz diferença.

Espero que todos votem bem. Mais do que nunca, nosso futuro depende disso.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto