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Europa vai limitar ainda mais a entrada de trabalhadores

Leonardo Sakamoto

08/01/2011 09h10

O aumento da imigração de pessoas que procuram uma vida melhor em um país com maior oportunidade de emprego tem mostrado o que certas nações têm de pior. Os Estados Unidos erguem uma cerca entre eles e o México, para regular o fluxo de faxineiros, operários e serventes. Na Inglaterra, brasileiros levam bala. Na Espanha, turistas, se piscarem, são tidas como prostitutas querendo invadir o território. Em muitos cantos da Europa africanos, sul-americanos e asiáticos são carne de segunda.

De acordo com texto da Agência Brasil, a União Européia quer definir em breve uma nova política migratória (entre alguns diplomatas brasileiros no Velho Mundo, isso já é dado como favas contadas). A idéia é autorizar o ingresso de profissionais de nível superior e técnicos onde houve carência de pessoal.

Lembrando que boa parte dos imigrantes faz o trabalho sujo que poucos europeus ocidentais querem fazer, limpando latrinas, recolhendo o lixo, extraindo carvão, isso vai ser um tanto quanto hipócrita de se ver. Até porque os países que recebem esses trabalhadores ganham com sua situação de subemprego e o não pagamento de todos os direitos.

Destaquei uma frase do representante da União Européia no Brasil, João José Soares Pacheco, presente na matéria: "Temos de combater a imigração ilegal, as redes que atuam nesta área não tratam as pessoas como humanos, mas como animais, abandonando-as no deserto e no mar. Isso não pode continuar a ocorrer". Eles querem fazer isso mesmo por preocupação humanitária ou como razão para bloquear a entrada de indesejáveis? Aliás, a Europa deve lembrar que seus serviços de fronteiras, repetidas vezes, "não tratam as pessoas humanos, mas como animais". Quem quiser um exemplo disso, trago aqui um que ganhou repercussão em 2008.

Tenho medo quando governos inserem a discussão sobre o combate ao tráfico de seres humanos para exploração econômica ou sexual dentro de sua política de migração. Não cheira muito bem.

Por outro lado, a busca por oportunidades que os migrantes fazem em outras terras tem a ver com as oportunidades a eles negadas em seus locais de origem, não raras vezes por conta de uma histórica relação de exploração dos próprios países desenvolvidos. Há um rosário de histórias que exemplificam isso. Quantos casos vocês não viram na imprensa de multinacionais que expulsaram comunidades na África, Ásia e América do Sul, com a ajuda do governo local, para a utilização do território, levando a um êxodo que foi bater nas portas do próprio país de origem da empresa? Ou seja, levam chumbo em sua terra natal e na fronteira do país de destino.

Não precisamos ir muito longe. No Brasil, consideramos os vizinhos bolivianos, paraguaios e peruanos que tentam ganhar a vida em nossa terra, como trabalhadores descartáveis. (Ai, essa terra ainda vai cumprir seu ideal, ainda vai se tornar um império colonial…)

Adoraria que o Brasil desse um exemplo aos países do Norte, derrubando os muros que criam cidadãos de primeira e segunda classe, possibilitando o livre trânsito de trabalhadores sem condicionantes. Há legislação que indicam isso, mas interpretações diferentes dentro do próprio governo e na Polícia Federal garantem que as coisas fiquem como estão.

Em todo o mundo, culpamos os migrantes de roubar empregos, trazer violência, sobrecarregar os serviços públicos porque é mais fácil jogar a responsabilidade em quem não tem voz (apesar de darem braços para gerarem riqueza para o lugar em que vivem) do que criar mecanismos para trazê-los para o lado de dentro do muro que os separa da dignidade.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto