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A economia que transforma ditador em presidente

Leonardo Sakamoto

20/10/2011 15h50

Angola possui um regime autoritário, onde ninguém se atreve a falar mal de "Zedu", como é chamado o presidente José Eduardo dos Santos. Hoje, o país de colonização portuguesa e que ficou décadas sob uma sangrenta guerra civil, é o que possui o "presidente" africano há mais tempo no poder (junto com Guiné Equatorial): 32 anos. Protestos contra o poder central costumam terminar com mortos e desaparecidos. Até possui eleições, mas não fazem tanta diferença assim.

Dilma discurso, nesta quinta, no parlamento angolano. Devido aos interesses econômicos e geopolíticos de setores brasileiros, ela destacou a cooperação econômica entre os dois lados do Atlântico. Grandes empresas tupiniquins exploram petróleo, diamantes, geram energia por lá. Atividades que quase não causam impacto socioambiental e quase não dão retorno para quem nelas trabalha.

Angola também é um dos principais clientes do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) exatamente para fomentar negócios com o Brasil. De 2002 a 2008, o comércio bilateral cresceu mais de 20 vezes, atingindo 4,21 bilhões.

Com medo de perder espaço para o apetitie chinês por recursos naturais do continente africano, duvido que ela tenha conversado com o colega sobre o quesito "democracia". Afinal, como disse o ex-chanceler e hoje ministro da Defesa, Celso Amorim, durante uma visita do então presidente Lula a Guiné Equatorial (país que é uma várzea em se tratando de direitos humanos): "negócios são negócios". E completou: "O isolamento e a distância só fazem eles dependerem mais de outros e talvez até ficarem mais longe do que nós desejamos".

Sim, enquanto isso, lucramos com eles. Porque dinheiro não tem pátria, cara ou ética. Se estiver sujo de sangue, é só limpar que está novo de novo.

Um governo que tolera um outro país com grave desrespeito aos direitos humanos normalmente usa como justificativa a sagrada soberania do vizinho. Fascinante. Durante, a nossa maravilhosa Gloriosa essas mesmas pessoas que usam essa desculpa apelaram desesperadoramente para outros Estados intervirem junto ao regime verde-oliva, seja via boicote comercial ou pelas vias diplomáticas, a fim de que fosse restaurada a democracia.

Hoje, se alguém pede que eles influenciem outras nações nesse sentido através de pleitos justos (porque também há os pedidos golpistas travestidos de coisa meiga), a questão econômica ou um pretenso assento no Conselho de Segurança da cada vez mais esvaziada Nações Unidas falam mais alto.

Usar a economia para fazer pressão política seria muito melhor que afagar ditador vestido de presidente. O Brasil tem tamanho e história comum para isso. Basta querer ousar. E usar a diplomacia.

O governo atual foi eleito com a promessa de elevar a questão dos direitos humanos nas relações internacionais. O problema é que, se por um lado, mostrou-se mais ousado que o governo passado em condenar comportamentos bizarros de outros países em fóruns internacionais (o que, sinceramente, vale muito pouco), por outro ainda coloca parceiros no pedestal de vestal intocável quando o interessa comercialmente.

No caso de Angola, o interessante é que os setores brasileiros que possuem fortes interesses por lá são os mesmos que têm causado graves problemas de desrespeito aos direitos humanos no campo por aqui. Tanto lá, como aqui, duvido que o governo adotará qualquer comportamento que vá em oposição ao que busca os setores energético, de mineração e da construção civil. Que têm sido ótimos doadores de campanha – ops, desculpe – atores de promoção de desenvolvimento.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto