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Sobre Belo Monte e a violência na Terra do Meio

Leonardo Sakamoto

13/03/2012 12h02

(Ontem, a cobrança veio da igreja. Hoje, do governo. Preciso falar para os meus alunos de jornalismo não brincarem mais com essa coisa de direitos humanos porque dá muita dor de cabeça.)

Acho que vale alguns comentários pessoais sobre a matéria na Agência Brasil que cita este que vos escreve. Ela trata de um pedido do Ministério Público Federal no Pará para que fosse enviado uma cópia de um relatório que produzi. Vamos aos fatos:

Fui convidado para integrar, no papel de relator, uma comissão especial do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH) que verificou as violações aos direitos humanos na região conhecida como "Terra do Meio", no Estado do Pará devido à minha experiência na área. A viagem, realizada em abril de 2011, incluiu visitas a instituições governamentais e organizações da sociedade civil em Belém e Altamira.

Ao nos reunirmos com as diferentes instituições e movimentos sociais também nos deparamos com reivindicações relacionadas aos impactos oriundos das obras para a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte (tanto os que já estão ocorrendo quanto os que podem acontecer), além de demandas da população local para ser melhor ouvida no processo. Do ponto de vista deste relator e de parte dos membros da Comissão, as denúncias relatadas podem configurar violência aos direitos fundamentais dessas populações e, portanto, são dignas de constarem no relatório. Devido ao seu histórico de luta em defesa dos direitos humanos, uma comissão do CDDPH não poderia, ouvindo as reivindicações, não levá-las adiante.

É um relatório sobre violência. A questão de Belo Monte é um capítulo desse relatório. Seria uma irresponsabilidade minha não colocar isso no documento considerando que as pessoas ouvidas, as comunidades indígenas, as entidades da sociedade civil e o próprio Ministério Público fizeram relatos de situações que podem configurar violência atual ou futura relacionada à construção da usina. O relatório não é contra Belo Monte, mas traz a população denunciando problemas relacionados à obra, fato que merece investigação e solução por parte do poder público. O governo federal pode utilizar o texto, que descreve os encontros, como um instrumento para contribuir na verificação e solução desses problemas.

A questão de Belo Monte é uma das tratadas no relatório, que aponta recomendações para diminuir o caos fundiário no Estado do Pará e a violência contra lideranças sociais e sindicais – que estão sendo mortas como pato em parque de diversão na Amazônia. Quanto à obra, enumera as denúncias colhidas e as reivindicações dos ouvidos.

A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República tem o poder de colocar o relatório em votação ou mantê-lo guardado. E o relatório pode ser aprovado ou não no âmbito do Conselho, ele representa a narração do relator sobre o que foi ouvido e não uma posição de governo – até porque não sou e não serei governo. A primeira versão do texto foi entregue em meados de 2011. Depois disso, a Comissão especial criada se reuniu diversas vezes para discutir o relatório e foram sugeridas, por parte de membros governamentais e não-governamentais da Comissão, uma série de alterações. Este relator acatou muitas delas, mas não irá, em hipótese alguma, ignorar o que foi apontado, em Altamira e Belém, pela sociedade civil e o próprio MPF. Isso seria delinquência de minha parte. O que o bispo emérito de Guarulhos iria pensar de mim depois dessa?

Ressalte-se que tive, por parte do responsável pela Comissão e vice-presidente do CDDPH, Percílio Sousa, total liberdade e apoio para poder desempenhar a função com independência. Ao mesmo, é importante ressaltar que não houve, até agora, qualquer pressão por parte do governo para que uma parte do relatório fosse excluída ou coisa assim. Nesse sentido, o diálogo com a ministra Maria do Rosário foi sincero, frutífero e cordial.

Por fim, o relatório foi formalmente entregue no início de novembro de 2011. E, na noite desta segunda, encaminhei o texto ao procurador-chefe do Ministério Público Federal no Pará, uma vez que estou no exterior.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto