Relatório sobre violência no Pará, que cita Belo Monte, é apresentado em Brasília
Leonardo Sakamoto
19/03/2012 20h32
Como já informei aqui, fui convidado para integrar, no papel de relator, uma comissão especial do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), que verificou as violações aos direitos humanos na região conhecida como "Terra do Meio", no Estado do Pará. A viagem, realizada em abril de 2011, incluiu visitas a instituições governamentais e organizações da sociedade civil em Belém e Altamira.
O relatório foi apresentado ao plenário do CDDPH, instância ligada à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, nesta segunda (19). Ele entrou na pauta por solicitação de organizações e movimentos sociais.
Trago as recomendações do relatório sobre a situação fundiária e a violência rural no Pará (se fossem somados todos os títulos de propriedade nos cartórios paraenses, o território do Estado abocanharia o Amazonas e iria até a Venezuela, sem contar o fato de que – por lá – lideranças sociais e sindicais são mortas feito pato em parque de diversão). Publico também as reivindicações dos movimentos sociais e comunidades locais ouvidos pela comissão sobre o processo de construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, tema que gerou polêmica nos últimos dias:
a) Recomendações relativas à questão fundiária e violência rural:
1) Recomendar ao Instituto Nacional de Reforma Agrária (Incra) a contratação de técnicos para prestar assistência técnica aos projetos de desenvolvimento sustentável e aos projetos de assentamento, como forma de diminuir a violência no campo, especialmente na região conhecida como Terra do Meio e Altamira, Pará.
2) Recomendar ao Incra que agilize, juntos aos órgãos ambientais, a expedição de licenciamento ambiental os projetos de assentamento, como forma de diminuir a violência no campo, especialmente na região conhecida como Terra do Meio e Altamira, Pará.
3) Recomendar à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e à Ouvidoria Agrária Nacional que realizem gestões com o Presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região para solicitar atuação efetiva de juízes federais no Estado do Pará, principalmente na região conhecida como Terra do Meio e Altamira.
4) Recomendar à SDH/PR e à Ouvidoria Agrária Nacional que realizem gestões com a Presidência e a Procuradoria Geral do Incra para solicitar, respectivamente, maior número de servidores e procuradores do órgão principalmente na região conhecida como Terra do Meio, Altamira e Anapu.
5) Recomendar ao Governo do Estado, ao Incra, ao Judiciário, e ao Ministério Público a instalação de Fórum Agrário [funcionamento no mesmo local de vara agrária, Ministério Público Agrário, Defensoria Pública Agrária, polícia civil agrária, polícia militar agrária e ouvidoria agrária regional do Incra], ao exemplo do existente em Maceió, Alagoas.
6) Recomendar aos órgãos federais e estaduais detentores de informações fundiárias que acelerem a digitalização de suas informações e as disponibilizem para consulta, a fim de contribuir com o processo de regularização fundiária. Este processo deve incluir a digitalização das informações dos cartórios e a socialização das informações do Sipam e o Ibama.
7) Recomendar ao Ministério da Justiça, quando necessário, nos conflitos fundiários considerados mais graves, a atuação conjunta da Polícia Federal e da Força Nacional, a fim de evitar novas mortes no campo.
8 ) Recomendar à SDH/PR e ao governo do Estado do Pará reforçar e ampliar os recursos destinados ao Programa Estadual de Proteção a Vítima e Testemunhas (Provita) para que tenham condições de atender à totalidade das demandas.
9) Recomendar à SDH/PR e ao governo do Estado do Pará reforçar e ampliar o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos para que tenha condições de atender à totalidade das demandas.
10) Recomendar ao Tribunal de Justiça do Estado do Pará que crie uma força tarefa para levar a julgamento imediato todos os processos de assassinatos de defensores dos direitos humanos, lideranças sociais e sindicais, e religiosos, paralisados na Justiça estadual.
11) Recomendar ao Incra que implemente efetivamente o Programa Nacional de Reforma Agrária na região conhecida como Terra do Meio e Altamira.
12) Recomendar à Defensoria Pública da União a designação de defensores públicos para atuação na região conhecida como Terra do Meio e no município de Altamira.
13) Recomendar ao Governo do Estado do Pará a criação da Polícia Militar Agrária.
14) Recomendar à Secretaria de Direitos Humanos, em parceira com o Governo do Estado do Pará, a criação de um centro de referência na região da Terra do Meio e Altamira, para acesso aos serviços básicos de documentação pela população, e de uma Ouvidoria Itinerante de Direitos Humanos, com sede em Altamira, que percorra a região da Terra do Meio.
15) Recomendar ao CDDPH a criação de um grupo de trabalho permanente para acompanhar os casos de violações aos direitos fundamentais dos povos e trabalhadores do campo, iniciando seus trabalhos com uma missão à região Sudeste do Pará, que possui alto índice de violência rural.
16) Recomendar ao CDDPH o envio de uma missão específica à região que está sofrendo influência do processo de construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte a fim de acompanhar denúncias de violações aos direitos fundamentais de populações impactadas pela obra.
(As recomendações de 1 a 15 foram aprovadas pelo CDDPH. A 16a foi vetada.)
Na minha opinião, o processo de construção de Belo Monte requer acompanhamento e discussão mais aprofundados por parte do CDDPH. Por isso, o relatório trouxe os pleitos ouvidos da população de forma a que sejam encaminhados às autoridades competentes. Creio que esta é a primeira vez que solicitações dessa população são inseridas em um documento público de um órgão do Estado:
b) Reivindicações dos movimentos sociais e comunidades locais ouvidos pela comissão sobre o processo de construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte:
1) Realizar as oitivas com as comunidades indígenas que serão impactadas pelo projeto em acordo com as próprias comunidades.
2) Recomendar ao Ibama a suspensão da Licença de Instalação de Belo Monte até que se cumpram todas as condicionantes ambientais e indígenas da Licença Prévia.
3) Recomendar ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região a definição da Vara competente para o julgamento de todas as Ações Civis Públicas relativas a Belo Monte, e celeridade no julgamento das ações que tramitam no próprio TRF1.
4) Recomendar ao Comitê Gestor do Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável do Xingu (PDRS Xingu) que constitua, sob supervisão do Ministério Público Federal, do Tribunal de Contas da União, da Controladoria Geral da União e da Defensoria Pública, uma auditoria externa e independente do cumprimento das condicionantes.
5) Recomendar que os Ministérios Públicos Federal e Estadual acompanhem os processos de desapropriação e os processos de compensação, considerando as denúncias dos movimentos sociais.
6) Recomendar ao Incra, Ibama, Funai, Polícia Federal, Ministério Público Federal, entre outros órgãos competentes, que sejam apuradas todas as denúncias de ameaças, invasões de propriedades, indução de assinatura de documentos e outros, ligados à construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, e que sejam tomadas as medidas cabíveis
7) Recomendar ao Incra e à Funai que agilizem o processo de desintrusão das terras indígenas mencionadas nas condicionantes da Licença Prévia, principalmente a Terra Indígena Apyterewa, com a definição das áreas para reassentamento dos trabalhadores rurais clientes da reforma agrária.
(As sete reivindicações foram recebidas pelo CDDPH e devem ser encaminhadas ao Comitê Gestor do Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável do Xingu, que acompanha Belo Monte, coordenado pela Secretaria Geral da Presidência da República. Os membros afirmaram que vão monitorar se elas foram avaliadas.)
O conselho decidiu tratar o texto apresentado como relatório parcial e estendeu os trabalhos da comissão para aprofundar a análise sobre violência rural e grilagem de terras. Também foi proposto que qualquer nova denúncia sobre Belo Monte seja encaminhada ao Comitê Gestor. Se isso vai funcionar ou não, depende do acompanhamento da sociedade.
Após a votação do parecer, este jornalista entregou o cargo de relator da comissão especial, acreditando ter contribuído com a discussão.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.