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E o comercial da maionese que queria ser azeite desandou

Leonardo Sakamoto

02/08/2012 16h51

Fiquei incomodado com aquele anúncio da Hellman's mostrando que sua maionese faz bem para a saúde. E, pelo jeito, não estava sozinho. De acordo com o site da Meio & Mensagem, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) pediu alteração de dois comerciais que defendiam aspectos saudáveis do produto da Unilever após reclamações de consumidores.

O anunciante teria apresentado dados que comprovam que ela, por exemplo, tem menos calorias que o azeite de oliva mas, mesmo assim, o relator do caso afirmou que isso "não permite que o produto seja apresentado como alimento saudável da maneira como foi no anúncio". Até porque a maionese é mais do que calorias e gordura dita "saudável". Tem outros ingredientes também…  Não cabe mais recursos e o filme terá que ser alterado.

Um anúncio de ketchup também foi alvo de análise e terá que trocar a frase "Minha filha comia arroz com ketchup, agora come arroz com tomate" (aliás, pelo amor de Deus!) Como há sugestão de troca de consumo de tomate por ketchup, o comercial deverá ser modificado.

Vale lembrar que nem sempre a autorregulamentação funciona. Ainda mais em uma área em que está sendo travada uma batalha entre consumidores, organizações da sociedade civil, indústrias e empresas de propaganda. O problema é que, quando um bloqueio é imposto, como agora, chega tarde demais, depois que o comercial já se enraizou na cabeça de muita gente e alterou hábitos de consumo.

Apenas com muita dificuldade somos capazes de aprovar regras para anúncios publicitários de produtos gordurosos ou com muito açúcar, como tem sido exaustivamente proposto pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). E olha que não estamos falando apenas de proibição, mas sim de informação – coisa que deveria ser fornecida abertamente. Afinal de contas, o consumo em excesso de certos alimentos pode trazer riscos à saúde.

Regras assim não agradam as indústrias de refrigerantes, sucos concentrados, salgadinhos, biscoitos, de bebidas com muita cafeína e de torresmo à milanesa, por exemplo. Ou seja, tudo aquilo que a molecada adora, mas que pode contribuir com doenças cardíacas, hipertensão, diabetes. Lembremos que a exigência de rotulagem de produtos que contenham transgênicos e a obrigação de estampar que o tabagismo mata nos maços de cigarro também foram alvo de furiosas reclamações por parte de algumas empresas e associações.

Quando alguma limitação à publicidade de produtos é baixada, há sempre um grupo que brada ser esse ato um atentado à liberdade de expressão. Mas, ao usar essa justificativa, o que acaba defendendo é o direito de ficar em silêncio para não se expor diante da sociedade. O problema é que essa omissão de informações acaba sendo um atentado contra a liberdade de escolha. Como é possível decidir se não há informação suficiente?

Como já disse aqui um milhão de vezes, comprar é um ato político, pois ao adquirir um produto você dá seu voto para a forma através da qual uma mercadoria foi fabricada e mesmo o que ela representa. Seria importante, por exemplo, que as mercadorias viessem com informações sobre sua origem e com o que foram feitas. Dessa forma, o consumidor poderia decidir se vai considerar apenas fatores como o preço ou a estética, ou vai levar para casa um produto que não faz mal a seus filhos. Ou irá se atentar, na hora de comprar, para elementos como desmatamento, trabalho escravo, ocupação ilegal de territórios indígenas, que parecem distante, mas estão coligados com seu bife ou sua camisa pelo ato da compra.

Particularmente, sou a favor da liberdade de expressão total e sem restrições nas propagandas. Que se diga tudo sobre a mercadoria – a parte boa e aquilo que se esconde para que ele seja vendido. Indústrias se defendem dizendo que não vão revelar informações que as coloquem em maus lençóis. É fato que ninguém precisa produzir prova contar si mesmo. Mas se os anunciantes trouxessem a maior quantidade possível de informações sobre o que oferecem a nós, teríamos um país mais consciente.

Daí, que cada um faça sua escolha. Sabendo das consequências.

PS: Eu adoro maionese. Mas prefiro a da minha mãe.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto