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Polícia Federal recomenda a seus agentes não deportarem vítimas de tráfico

Leonardo Sakamoto

03/08/2012 22h17

A Polícia Federal está recomendando aos seus agentes e delegados que não mais encaminhem para a deportação vítimas de tráfico de seres humanos ou de trabalho escravo que estejam de forma irregular no Brasil. A informação foi confirmada por representantes da própria instituição.

Foi lançada, nesta quarta (01), uma página da Coordenação Geral de Defesa Institucional, disponível na intranet da Polícia Federal. Nela, o Serviço de Repressão ao Trabalho Forçado trouxe uma compilação de legislação e condutas para apuração de denúncias. Voltada apenas a policiais federais, seu objetivo é orientar, uniformizar e dirimir eventuais dúvidas no combate ao trabalho escravo.

A medida mais importante é a orientação para que os policiais federais não deportem os trabalhadores resgatados. A recomendação se baseia na Resolução Normativa do Conselho Nacional de Imigração, número 93, de 21 de dezembro de 2010. Ela prevê que poderá ser concedido visto permanente ou permanência aos estrangeiros que estejam no Brasil em situação de vulnerabilidade, vítimas do tráfico de pessoas. Isso vale para exploração sexual, trabalho análogo ao de escravo ou remoção forçada de órgãos.

E também no decreto número 6964, de 29 de setembro de 2009, que promulga o acordo sobre residência para nacionais dos Estados Partes do Mercosul. Ele afirma que a solicitação de estabelecimento de estrangeiros, com a garantia de todos os direitos civis, incluindo o direito de trabalhar, independe da condição migratória do peticionante. Mesmo se estiver trabalhando sem autorização, ele pode solicitar a sua regularização com isenção de multas e de sanções administrativas.

A maior parte dos agentes e delegados não adota a deportação com regra, mas a existência de casos preocupou o próprio Departamento de Polícia Federal, Ministério da Justiça, Ministério Público, órgãos governamentais e entidades da sociedade civil.

Nos últimos meses, representantes da Polícia Federal reuniram-se com uma subcomissão formada por membros da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, sob a coordenação da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, para discutir como garantir a estrangeiros que sejam vítimas de tráfico e de trabalho escravo a sua não deportação do país.

A expulsão de vítimas – que é criticada pelo Protocolo de Palermo, acordo internacional que trata do combate ao tráfico de seres humanos – é usada como ameaça pelos contratadores de mão de obra para manterem os trabalhadores sob seu controle. Temendo serem mandados embora do país sem remuneração, permanecem sem reclamar das condições.

Um exemplo é uma trabalhadora boliviana de uma oficina que fornecia para a marca 775 flagrada com escravos em 2010. Após ter sido encontrada pela fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego, ela optou por voltar para a casa. Mesmo assim, foi deportada pela Polícia Federal no momento de sair do país. As orientações feitas agora não vão resolver totalmente o problema devido ao tamanho da burocracia para a regularização, por exemplo. Mas é uma sinalização importante por parte de uma instituição que tem um papel central no combate a esses crimes.

Além do medo de deportação, os trabalhadores imigrantes também preferem permanecer irregulares devido à impossibilidade de pagarem a multa que pode chegar a R$ 827,00 por pessoa. O que para o pessoal mais pobre é muito dinheiro, ainda mais se for uma família inteira. Isso sem contar a taxa de emissão de documentação. De acordo com informações de representantes do Ministério do Trabalho e Emprego, há discussões com o Ministério da Justiça para a busca de uma solução para esse problema da multa para vítimas de todas as nacionalidades e não apenas as do Mercosul.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto