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O que vale mais: uma missionária ou uma caixa de chiclete?

Leonardo Sakamoto

26/08/2012 15h57

As decisões podem estar tecnicamente corretas. Mas não deixam de me incomodar.

Regivaldo Pereira Galvão, um dos condenados pela morte da missionária norte-americana Dorothy Stang, ocorrida em fevereiro de 2005, em Anapu (PA), foi solto por liminar concedida pelo ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, no dia 23. Foram seis tiros – um deles na nuca – aos 73 anos, em uma estrada vicinal. Ela enfrentava ameaças de morte de fazendeiros da região, descontentes com sua defesa dos Programas de Desenvolvimento Sustentável como modelos para a Amazônia. Regivaldo havia sido condenado a 30 anos de prisão como um dos mandantes do crime, ao lado de Vitalmiro Bastos de Moura – que cumpre pena. Como ainda há um recurso que pede a anulação do julgamento, o ministro concedeu o habeas corpus por entender o processo ainda não acabou.

Uma mulher condenada a dois anos de prisão por ter roubado caixas de chiclete em Sete Lagoas (MG) foi mantida encarcerada por Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, em maio de 2009. O ministro justificou que como o furto não era para matar a fome e a ré em questão já havia sido condenada por outros crimes, ela teria que seguir presa (processo HC 98944). Um ano depois, a Primeira Turma do STF também indeferiu, de forma unânime, o pedido de habenas corpus para o caso do chiclete. De acordo com a decisão, os ministros analisaram que deve ser considerado o "interesse da sociedade em inibir práticas criminosas" ao se utilizar o princípio da insignificância.

(O princípio da insignificância pode ser aplicado quando o caso não representa riscos à sociedade e não tenha causado lesão ou ofensa grave. É verdade que o Supremo vem desconsiderando os furtos de pequeno valor como crime, mas não é sempre.)

Ambas as decisões estão legalmente embasadas.

Mas, seja sincero: não gera a sensação de que algo está errado?

Dezenas de lideranças sociais ameaçadas de morte na Amazônia dormem apreensivas com a notícia de que a impunidade segue livre. Enquanto supermercados e docerias podem dormir tranquilos, pois o chiclete está seguro.

Não é uma questão apenas de mudança de leis, mas de sua aplicação. Não importa a orientação política e ideológica, um punhado de gente consegue acesso à Justiça – seja através de um telefone-linha-direta, seja por ter recursos para pagar bons e influentes advogados com estrutura para brigar até o último ponto final da lei. A maioria depende dos defensores públicos (importantíssima profissão que é maltratada e sucateada), de Deus (se for uma pessoa de fé) ou da sorte (se não for). Como ter uma Justiça de verdade se, na prática, ela é aberta e sorridente para alguns e fechada e mal-encarada para outros?

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto