Adoro o conservadorismo paulistano. É tão kitsch!
Leonardo Sakamoto
24/09/2012 09h21
Pesquisa Datafolha divulgada, neste domingo (23), pelo jornal Folha de S. Paulo traz o posicionamento do paulistano diante de temas comportamentais. Com isso, busca checar a tese da relação entre o posicionamento frente a esses assuntos e a preferência do voto. Foram ouvidas 1.802 pessoas e a margem de erro é de dois pontos para mais ou para menos.
Breves comentários sobre os resultados:
Causas da criminalidade: 60% dos entrevistados concordam com a afirmação de que a maior causa é a maldade das pessoas (em detrimento a 36% que concordam com a afirmação de que boa parte está ligada à falta de oportunidade iguais para todos)
Depois perguntam a razão da polarização Carminha e Nina fazer tanto sucesso.
Adolescentes: 72% concordam com a afirmação de que os que cometem crimes devem ser punidos como adultos (frente a 26% que acham que eles devem ser reeducados)
Criança bandida tem que pagar. Menos se forem meus filhos. Nesse caso, uma boa conversa resolve.
Religião: 79% concordam que acreditar em Deus as torna pessoas melhores (diante de 20% que dizem que não necessariamente)
Hitler acreditava no divino. Chaplin era ateu… Parte considerável das fazendas onde há libertações de escravos contemporâneos no Brasil tem nome de divindades cristãs: Nossa Senhora, Menino Jesus, Santo Expedido…
Sindicato: 60% acreditam na afirmação que servem mais para fazer política do que defender os trabalhadores (e 36% concordam que eles são importantes para defender o direito dos trabalhadores)
Detesta política sindical. Mas gasta muito bem o dissídio que surgir no salário…
Proibição do uso de drogas: 81% afirma que deve ser mantida porque toda a sociedade sofre com as consequências (17% acreditam que o usuário sofre mais)
E para discutirmos, desce mais uma cerveja que não causa mal a ninguém. Se fizesse, não teria propaganda bacana na TV.
Em outras perguntas, o comportamento conservador foi minoria nas respostas. Mas vale uma observação: mesmo minoria, a quantidade assusta.
Pena de morte: 41% dizem que é a melhor punição para indivíduos que cometem crimes graves (56% concordam com a afirmação de que não cabe à Justiça, mesmo que tenha cometido crime grave)
Olho por olho, dente por dente. Porque, como sabemos, a vingança traz de volta o ser amado do mundo dos mortos e diminui a criminalidade…
Migração: 28% dos pobres que migram acabam criando problemas para a cidade (já 66% acham que os pobres que migram contribuem com o desenvolvimento e a cultura)
Eles deveriam construir nossos prédios calados, agradecendo o favor que fizemos a eles, e se retirarem para o lugar de onde vieram assim que terminassem o serviço. E não ficar zanzando por aí, ofendendo meu senso estético. Afinal, a cidade é nossa, não deles. Pagamos por ela.
Pobreza: 27% acham que está ligada à preguiça de pessoas que não queiram trabalhar (70% consideram que está ligada à falta de oportunidades iguais para todos)
Mesmo com longas jornadas e condições bisonhas de trabalho, o Brasil paga mal as empregadas domésticas porque elas são umas indolentes de uma figa.
Homossexualismo (sic – foi o Datafolha que usou a expressão, não eu): 23% acham que deve ser desencorajado pela sociedade (70% acreditam que deve ser aceito por toda a sociedade)
Vamos desencorajar a heterossexualidade também, ué! Filhão, você só trouxe infelicidade para esta casa! Onde já se viu? Namorar uma, uma, uma… mulher?! O que nós fizemos de errado, meu Deus?
Posse de armas: 22% concordam com a afirmação de que armas legalizadas deveriam ser um direito do cidadão para se defender (e 76% de que deve continuar proibida, pois ameaça a vida de outros)
Sim. Então, o IML passa a ser desautorizado de ir buscar os corpos de quem foi morto com a própria arma tomada pelo bandido?
Tendo achar que se houvesse uma pergunta sobre "trabalho infantil", o apoio a ele seria grande também. E sobre "prostituição infantil", haveria uma minoria que martelaria a questão da liberdade individual, seguindo os argumentos do nobre vereador Agnaldo Timóteo.
Dizem que falta informação e, por isso, temos uma sociedade que pensa de forma tão conservadora. Mas informação não basta. Deve-se saber como trabalhar com essa informação que recebemos, refletir sobre ela. Entramos aqui na questão da consciência social, que não se aprende nos bancos de escola, mas no trato com a sociedade.
O contato com o "outro", e com suas diferenças, contribui para fomentar essa consciência. Não através do filtro dos jornais e das lentes de TVs, mas pelo diálogo direto. Só dessa forma poderemos entender as razões desse outro. E se, mesmo assim, não concordarmos com sua posição, podemos, ao menos, ser tolerantes. E perceber que as pessoas têm direito à própria vida e ao próprio corpo e que não é com uma sociedade ditatorial e sumária que se resolverão os problemas.
(Esse movimento sofre uma inflexão no período eleitoral, é claro. Após a campanha de 2010, por exemplo, diminuiu o número de pessoas que apoiavam o direito ao aborto. O que era esperado uma vez que os candidatos transformaram o pleito em guerra religiosa).
De qualquer forma, ainda bem que as decisões do Supremo Tribunal Federal sobre a interpretação da Constituição visando à garantia de direitos não têm sido tomadas com base em pesquisas de opinião ou usando uma biruta que aponte para onde sopra a opinião pública em determinado momento. Por isso, temos tido alguns avanços, como pesquisas com células tronco, direito a protestar pela legalização das drogas, união civil homoafetiva…
Afinal de contas, uma democracia verdadeira passa por seguir as decisões da maioria, desde que se respeite a dignidade das minorias. É tão fácil e tão difícil entender isso…
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.