Morar em uma "bolha" garante segurança para quem vive em São Paulo?
Leonardo Sakamoto
03/11/2012 09h10
Uma casa com cerca elétrica, câmeras de vídeo, muros altos e sensores de movimento em um bairro nobre da capital paulista estava recebendo aquele arame farpado moderno, em formato de mola prateada, que perfuram e cortam. Resolvi conversar com o rapaz que realizava o serviço. Por razões óbvias, não vou citar o nome do sujeito, muitos menos o endereço da casa em questão.
Ele me explicou que, apesar do esquema de segurança existente, o lugar foi assaltado, o que levou ao proprietário a instalar a cerca. Disse, aliás, que a demanda por instalações residenciais desse tipo de cerca tem sido muito grande. Serviço não falta.
Por fim, satisfeito com o produto que instalava, garantiu que – além de longa durabilidade – ele dificulta bastante a vida de quem deseja entrar sem ser convidado, sendo instalado em empresas e presídios.
Não tive coragem de retrucar de que, no caso de presídios, o problema maior não é gente que quer entrar, mas sim o povo que tá lá dentro louco para sair.
Entendo uma pessoa que é assaltada e fica desesperada para elevar o nível de proteção de sua família. Mas olhando para a casa, percebe-se que os mesmos elementos que foram sendo colocados para aumentar a sensação de segurança também transformaram a residência em uma penitenciária. Tal qual uma fortaleza, afasta quem está do lado de fora, mas separa quem está dentro do restante da cidade. Imagens de casas assim são, na minha opinião, símbolos da incompetência do Estado em garantir segurança e de toda a sociedade de repensar sua própria estrutura de exclusão. Alguns paulistanos, moradores dessas mansões, não vivem sua cidade. Nelas cumprem uma pena de luxo, o que é uma pena.
Os filhos de moradores de Alphaville, localizada na Grande São Paulo, apelidaram o seu condomínio de "bolha". Um ilha de prosperidade, criada pelo medo e pela comodidade, que está criando pessoas desconectadas da realidade e dos seus problemas. Como um castelo medieval, erguido para tentar deixar a violência do lado de fora, como se isso fosse realmente possível. Talvez seja para meia dúzia de multimilionários que vão ao cinema de helicóptero, tem batedores para os levar à academia e seguranças até na porta do banheiro.
Dinheiro compra quase tudo, mas liberdade de verdade é tão barata…
Carros blindados levam para as ruas da cidade a sensação de encastelamento das mansões muradas e dos condomínios fechados. Sentimento falso, pois não são muros, arames farpados e chapas de aço que garantirão efetiva segurança aos moradores de uma metrópole como São Paulo. Creio que, no final das contas, funciona como efeito placebo, mas, mais dia ou menos dia, a bomba estoura por perto.
São Paulo tem mais de 11 milhões de habitantes, apenas uns 10% têm acesso a todos os seus direitos previsto em lei. Lembra a antiga Atenas, com uma democracia para uns poucos iluminados e o trabalho pesado para o grosso da sociedade, composta de escravos. Enquanto uns aproveitam uma vida "segura" dentro de clubes, restaurantes, boates e residenciais, outros penam para sobreviver, ser reconhecidos como gente e não morrer na esquina de casa voltando tarde do trabalho. A violência atinge mais as classes média alta e alta? Faz-me rir. A cada assassinato em Moema, 130 são mortos no Grajaú. O que acontece é que a morte de um em Moema causa mais impacto na mídia do que a de 130 na periferia. Todas as vidas valem muito, mas algumas valem mais que outras.
Repito, não estou culpando o proprietário da residência de buscar mais segurança para a família (é bom reforçar, considerando que há leitores com graves problemas de interpretação de texto), mas se o arame não for suficiente qual será o próximo item instalado? Adotará técnicas já testadas e conhecidas, como caldeirões de chumbo derretido e arqueiros, ou abraçará de vez a tecnologia com o uso de canhões laser? O fato é que essa escalada, que caminha de mãos dadas com o discurso do medo, não tem limites. O que é ruim para os moradores e ruim para a cidade.
Olhando castelos e condomínios pipocando aqui e ali com essas cercas de presídio reluzentes, tenho a certeza de que a solução não é por aí. Muito menos aumentar a força da mão esquerda do Estado, da repressão, sem que a mão direita, que garante qualidade de vida, seja mais presente. As "hordas bárbaras" um dia vão se voltar contra os "cidadãos de bem", ah vão. E, no final, ou a cidade será boa para todos ou a aristocracia que sobrar após o caos para o qual caminhamos não conseguirá aproveitar sua pax paulistana.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.