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O que as pessoas falam na porta do banheiro?

Leonardo Sakamoto

14/12/2012 08h46

– Você não é aquele blogueiro petista?
– Hehehe. Sou um blogueiro. Mas não sou filiado a nenhum partido.
– Ah, claro que é. Vai dizer que seu blog não ganha dinheiro do governo?
– Não, não recebe. Aliás, se você quiser anunciar, é só entrar em contato com o UOL (risos). Mas, olhe, brincadeiras à parte, uma coisa não tem a ver com outra. Grandes jornais, revistas, TVs são os que recebem milhões do governo e os donos não são filiados ao partido do governo.
– Mas você é! Defende essas coisas de esquerda…
– Bem, aí você está partindo de duas premissas: de que o PT representa toda a esquerda e de que o PT ainda é integralmente um partido de esquerda…
– Hã?
– Deixa pra lá. Bem, me dá um exemplo dessas "coisas de esquerda".
– Ah, você fica defendendo índio vagabundo que impede o progresso.
– Ué, mas a usina hidrelétrica de Belo Monte é questão de honra do governo federal e faz parte do plano de geração de energia. E eu acho Belo Monte uma besteira sem tamanho, social e econômica.
– E daí?
– Ela vai reduzir a vazão do rio Xingu e, infelizmente, tornar a vida desse monte de "índio vagabundo" um inferno.
– Você está tentando me enrolar. Então, você é do PSol, que é mais radical ainda.
– Também não. Cara, por que eu tenho que fazer parte de um partido? Não posso só ser de esquerda e falar mal de tudo, como a esquerda gosta? Já não basta o sofrimento de ser palmeirense?
– Mas você defende gay. E tem aquele deputado que é gay no PSol.
– Por que? Você ataca gay?
– Acho que todo mundo tem que ter seu direito, entendeu? E eles têm direitos. Mas eles não podem ficar fazendo aquelas coisas na frente dos outros. Isso é desrespeitar o direito dos outros a não ver aquilo. Me controlo porque sou um respeitador das leis, mas já tive vontade de ir lá e acabar com isso.
– Que tipo de coisas?
– Ah, você sabe, se beijando, se esfregando.
– E uma mulher e um homem podem se beijar na sua frente?
– Aí é diferente! Se você não percebe que isso é diferente, você deve ser muito louco.
– Você tem filhos?
– Sim, dois.
– Triste… Mas você acha que PSol é o único partido com um político homossexual no país?
– Não vi nenhum outro.
– Acho que está precisando se informar mais, meu caro. E, me perdoe, mas acredito que você reduz muito as coisas…
– Reduzo quê? Se eu te xingasse de tucano você ia gostar? Ia? Ia?!
– Por que? Para você, "tucano" é xingamento para você?
– Claro que não, não foi isso que eu quis dizer! Não ponha palavras na minha boca! Mas o PSDB não defende essas coisas que você defende.
– Tipo?
– Tipo ficar dizendo por aí que tem trabalho escravo. Isso não existe. É coisa criada para ajudar o MST a constranger quem produz alimentos para a gente.
– Mas os votos dos deputado federais do PSDB foram fundamentais para aprovar a proposta que toma propriedades flagradas com escravos e há projetos para acabar com o trabalho escravo que foram propostos pelo partido. Tem tucano que defende escravagista, decerto. Mas a generalização é errada. Além do mais, o pequeno agricultor é quem coloca comida na nossa mesa, sabia?
– Isso é mentira.
– Qual das duas partes?
– As duas.
– Né, não. Vai lá e dá um Google.
– E o que é isso na sua mão? Você se diz de esquerda e tem um iPhone?
– E ser de esquerda é o mesmo que fazer voto de pobreza? Eu quero que todo mundo esteja bem de vida e não que tudo mundo fique na pobreza. Aliás, você não sabe muito bem o que é esquerda e direita, né? Mas fique tranquilo. Ninguém mais sabe hoje em dia mesmo…
– A esquerda quer fazer uma revolução e implantar uma ditadura, obrigando a ser quem eu não quero, a dar meus imóveis, meus carros…
– Seu iPhone…
– …para os pobres. E a direita está aí para fazer um contraponto, é quem respeita a liberdade das pessoas.
– Hahaha. Adorei! Acho que você fez uma mistureba. Mas, olha, uma coisa é ser de direita ou de esquerda e outra, totalmente diferente, é ser fascista. Saudades do Roberto Campos nessa hora, viu?
– Você está me enrolando.
– Ué, mas estávamos falando disso há pouco. E a liberdade das pessoas poderem ser gays sem ser molestadas na rua com alguém querendo "acabar com isso", por exemplo?
– Você está misturando liberdade com libertinagem! Liberdade tem limite.
– É… O pessoal do golpe de 64 também achava isso…
– Em 1964, não foi golpe, foi revolução. Era necessário, por um bem maior.
– Para garantir a liberdade dos "homens de bem".
– Sim, claro.
– Porque o preço da liberdade é a eterna vigilância, não?
– Sim.
– Afinal, é Brasil, ame-o ou deixe-o.
– Você não está levando esta conversa a sério, né?
– Não. Deu minha hora. Abraço grande para o senhor e prazer conhecê-lo.
– Forte abraço. E olha, posso não concordar com as coisas que você escreve, mas adoro quando posta aqueles seus contos.
– Anauê!

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto