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O filho só come carboidratos e ela acha fofo. E ele é mesmo

Leonardo Sakamoto

03/01/2013 14h26

Entrevistamos crianças de quatro diferentes locais e realidades para saber qual sua comida preferida em uma pesquisa muito tempo atrás. Não me lembro textualmente das respostas, mas sim do resultado. Conversamos com um grupo de escoteiros que moravam nos caros condomínios de Alphaville, bairro planejado próximo à capital paulista, outro de estudantes de uma escola de classe média no Campo Limpo, uma turma que morava na zona rural do distante bairro de Engenheiro Marsilac e, por fim, mas não menos importante, crianças que passavam o dia pedindo esmolas em uma esquina dos Jardins.

Entre as crianças de Alphaville, apareceram, com frequência, e de forma espontânea, respostas como "patê", "lagosta" e até "escargot". No segundo, predominou a macarronada e o arroz com feijão. No terceiro, salada e frango. E, no último, Big Mac. Em todos os grupos, biscoito recheado e salgadinhos foram citados com entusiasmo.

Não acredito, sinceramente, que os escoteiros em questão adoravam escargot. Chutaria que os pimpolhos passaram muito tempo ouvindo seus pais afirmarem que isso era comida chique ou associaram a dita lesma a momentos de festas, guardados num canto quentinho da sua memória. No segundo e terceiro grupos, creio que que os eleitos foram as comidas do dia-a-dia, preparadas dentro das possibilidades de cada família. O Big Mac do último pode parecer fora do tom, mas não é. As crianças pediam esmolas na esquina da avenida Rebouças com a rua Henrique Schaumann, onde há uma lanchonete do McDonald's.

Independente das peculiaridades de cada grupo, os produtos industrializados estavam presentes. Como diria um amigo, o mundo vai acabar em Cheetos. Tudo transmitido, é claro, pela TV – onipresente na vida da criançada e responsável por deixar claro o que elas devem consumir.

Tenho uma amiga que está tendo problemas para alimentar seus filhos. Ela se esforça para garantir que tudo seja saudável, mas os outros pais na escola não pensam o mesmo. Daí, reclamações que os amiguinhos têm e eles não, talvez pensando que seus pais não gostem deles por negar-lhes o produto do desejo. Ela não tem tempo para seguir as receitas do Jamie Oliver e produzir boa comida que atenda ao paladar das crianças para a merenda. A cantina da escola até oferece opções saudáveis, mas outras nem tanto. E a TV praticamente afirma que criança só é feliz se mastigar um isopor com um sabor que simula o queijo.

Outra mãe me afirmou que o filho adora macarrão e só come carboidratos. Certamente vai ter problemas de saúde no futuro por culpa dos pais. Ela acha fofo. E ele é mesmo.

Já escrevi aqui várias vezes sobre isso. Estamos nos acostumando a achar bonito comercial de maionese que diz que o produto faz bem para a saúde. Ou com mães-atrizes que afirmam: "Minha filha comia arroz com ketchup, agora come arroz com tomate" – defendendo que o produto é tomate. Qual o próximo passo? "Balas Ben 10", feitas com banha de porco caramelizada?

Como fica o esforço de famílias para que seus filhos não cheguem à vida adulta com problemas de saúde pelo que consumiram? A mensagem publicitária é muito mais forte do contrário. Tanto que o comercial que mostra uma criança brigando com a mãe no supermercado para ela levar brócolis foi produzido como peça cômica.

O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) corre sempre atrás do prejuízo. Sob a justificativa de não cometer censura, tira os comerciais do ar depois que se enraizaram na cabeça de muita gente e contribuíram para alterar seus hábitos de consumo.

Nesse contexto, foi salutrar a aprovação de dois projetos pela Assembleia Legislativa de São Paulo, no final de dezembro, restringindo a publicidade de alimentos a crianças e proibindo a venda de lanches com brindes ou brinquedos. Ou seja, nada de premiar a criança que comprou e comeu um produto gorduroso com um brinquedo. Lembram daquela experiência do cão de Pavlov, condicionando eles a salivarem? Então…

Propagandas no rádio e na TV de alimentos e bebidas "pobres em nutrientes, com alto teor de açúcar, gorduras saturadas ou sódio" só podem ser veiculados das 21h às 6h e sem usar personagens do mundo infantil. Os projetos foram de autoria de Alex Manente (PPS) e Rui Falcão (PT) e dependem, agora, da sanção do governador Geraldo Alckmin.

Em breve, a publicidade na internet será um problema maior que o rádio e a TV e é muito difícil erguer algum bloqueio de informação às crianças. Sem hipocrisia: se você é um pai que proíbe seu filho de ver Sex Time, saiba que ele sabe como evitar o bloqueador do PornTube no computador. Educação e conscientização continuarão sendo muito importantes para protegê-las do bombardeio, mas – novamente – é difícil lutar como pais contra a indústria e o comércio, que têm armas mais poderosas para atingir os que não possuem ainda capacidade de distinção e formação crítica. Então, continuará sendo importante o Estado assumir um papel de regular essa relação, compensando essa desigualdade de condições.

Regras fortes não agradam as indústrias de refrigerantes, sucos concentrados, salgadinhos, biscoitos, de bebidas com muita cafeína e de torresmo à milanesa, por exemplo. Ou seja, tudo aquilo que a molecada adora, mas que pode contribuir com doenças cardíacas, hipertensão, diabetes.

Não estou defendendo padrões estéticos, longe disso. As pessoas devem se sentir bem consigo mesmas e pensar em sua saúde. E, mesmo assim, se quiserem consumir os produtos que quiserem, que façam isso. Mas conscientes dos riscos e das consequências, com informação suficiente para tanto. Coisa que crianças não são capazes ainda. E o contrário também é horrível: meninas que não comem nada ou comem e vomitam para atender a uma mórbida concepção de beleza – tema para outra discussão. Mas lembremos que a exigência de rotulagem de produtos que contenham transgênicos e a obrigação de estampar que o tabagismo mata nos maços de cigarro também foram alvo de furiosas reclamações por parte de algumas empresas e associações.

Indústrias se defendem dizendo que não podem revelar informações que as coloquem em maus lençóis. Mas se os anunciantes trouxessem a maior quantidade possível de informações sobre o que oferecem a nós, teríamos um país mais consciente. O problema é que essa omissão de informações acaba sendo o verdadeiro atentado contra a liberdade de escolha.

Como é possível decidir se os que nos vendem escondem coisas importantes?

Ou nos enganam oferecendo miçangas pelo nosso pau-brasil?

Ou pagam muito bem para aqueles que confiamos mintam para nós na TV?

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto