Ser pacifista não significa morrer em silêncio, de fome ou baioneta
Leonardo Sakamoto
18/04/2013 13h54
Alguns leitores me acusaram de fazer apologia às armas por colocar, como capa da página deste blog no Facebook, esta imagem em que apareço no acampamento central da guerrilha timorense. A imagem foi tirada durante reportagem que fiz por lá sobre a luta pela independência em 1998. Tanto reclamaram que a rede social em questão quadriculou a foto e baixou a resolução, tornando difícil detectar a M-16.
Cuidado! Eu tinha 21 anos e, portanto, não possuía cavanhaque e era, surpreendentemente, mais magro.
Adorei! Me senti obsceno. Tão obsceno quanto as mulheres que, durante a "Marcha das Vadias", no ano passado, em São Paulo, tiveram suas fotos bloqueadas pelo Facebook ao ostentarem seus peitos. Por aqui, é assim: homem sem camisa é alguém tentando se livrar do calor; mulher sem camisa é puta.
Ser pacifista não significa morrer em silêncio, em paz, de fome ou baioneta. A desobediência civil professada por Gandhi é uma saída, mas não a única e nem cabe em todas as situações.
Muitas pessoas detestam sem-terra e povos indígenas. Abominam a idéia de que o direito à propriedade privada e ao desenvolvimento econômico não são absolutos. Mas, como todos os direitos humanos, são interdependentes, indivisíveis e complementares. E servem para garantir a dignidade das pessoas, caso contrário, não são nada além de palavras bonitas em um documento quarentão. Essas pessoas tendem a reclamar da violência das ocupações de terras – "um estupro à legalidade" – feitas por uma legião de pés-descalços empunhando armas de destruição em massa, como enxadas, foices e facões, ou índios reivindicando territórios que historicamente foram deles com flexas e enxadas. Por que esses farrapos simplesmente não morrem em silêncio?
Tenho um orgulho danado da foto empunhando uma arma junto ao exército de libertação nacional de Timor Leste. Naquele momento, presenciei a história acontecendo diante dos meus olhos. Fiz mais de 70 entrevistas em dois meses de trabalho por lá. Por isso, falo com todas as letras: não existe observador independente. Você vai influenciar aquela realidade e ser influenciado por ela. E vai tomar partido, como tomei e deixei claro ao leitor. Sei que há colegas de profissão que discordam, que dizem ser necessário buscar uma pretensa imparcialidade. O que só seria possível se nos despíssemos de toda a humanidade.
Muita gente diz que não, mas entende o significado de uma foto como essa. Ela significa que os pequenos podem, sim, vencer os grandes. E os rotos e rasgados são capazes de sobrepujar ricos e poderosos. Por isso, o desespero inconsciente presente em muitas reclamações sobre a imagem.
Mas, já que a foto teve que sair, resolvi fazer um desenho e colocar como capa da minha página. Vai que, desenhando, fica mais fácil entender, né?
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.