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Profissionais do sexo devem ter o mesmo direito de outros escravizados, diz comissão

Leonardo Sakamoto

30/04/2013 18h35

Profissionais do sexo flagrados em situação análoga à de escravos não conseguem, historicamente, receber os benefícios destinados às vítimas dessa forma de exploração por conta da situação em que estão ser considerada ilícita.

A Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, que reúne ministérios e entidades da sociedade civil, constatando isso e motivada pelo flagrante de escravidão em um bordel em Altamira (PA), que atendia aos canteiros das obras da usina hidrelétrica de Belo Monte, divulgou uma nota pública a respeito. Para a Conatrae, os escravos libertados devem ter o mesmo direito enquanto trabalhadores, sejam eles empregados na agropecuária, extrativismo, indústria, comércio, oficinas de costura, canteiros de obras ou exploração sexual. Ou seja, mesmo que as relações de trabalho sejam ilegais.

A prostituição é reconhecida como ocupação regular, fazendo parte da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), e os profissionais do sexo devem contribuir, inclusive, com a Previdência Social, tendo direito a salário-maternidade, auxílio-doença e aposentadoria. Contudo, manter estabelecimento em que ocorra exploração sexual é proibido por lei, como prevê o artigo 229 do Código Penal. Em outras palavras, prostituição não é ilegal, mas a exploração da prostituição é. Por conta dessa relação trabalhista ser proibida, os trabalhadores envolvidos acabam por ver navios.

O flagrante em Altamira foi divulgado por este blog em fevereiro. As mulheres eram confinadas em pequenos quartos sem janelas e ventilação, com apenas uma cama de casal, e havia cadeados do lado de fora das portas. A polícia encontrou um caderno onde eram anotadas as dívidas, como gastos com passagens, alimentos, e vestimentas, além de "multas" por motivos diversos. As garotas disseram ter medo de retaliações, uma vez que o dono da boate teria ameaçado seus familiares que moravam no Sul. Uma das adolescentes resgatadas contou que, assim que uma delas, uma jovem de 16 anos, conseguiu fugir, o gerente a seguiu com uma arma.

A alegação de que a exploração do trabalho de profissionais do sexo em bordéis é ilegal, não raro, acaba por desautorizar o auditor fiscal do trabalho a agir diante das infrações constatadas. De acordo com a nota, no caso de Altamira quem atuou foi a Polícia Civil, mas poderia ter sido o Ministério do Trabalho e Emprego. A nota lembra que a atividade de exploração de prostituição em boate vem sendo exercida sob outra denominação, tal como garçonete, garçom, barmaid para esconder o real empregos das pessoas. Esse "macete" aplicado por alguns auditores, aliás, não é novo.

De acordo com a nota, em um caso semelhante registrado em Várzea Grande (MT), em dezembro de 2010, a atividade inserida nos autos de infração acabou sendo a de dançarina. Dessa forma, as 24 pessoas resgatadas tiveram assim acesso aos direitos previstos em caso de libertação, como: seguro-desemprego durante um período de três meses após o resgate e inserção prioritária em políticas sociais.

Vale lembrar que, ainda hoje, um argumento parecido é usado por alguns membros da Polícia Federal para deportar imigrantes bolivianos, paraguaios, entre outros, flagrados em situação de trabalho escravo, principalmente em oficinas de costura. Como a situação de alguns deles é irregular, eles são encaminhados para fora do país, desconsiderando sua situação de vítimas. Apesar do Protocolo de Palermo, do qual o Brasil é signatário, especificar que elas devem ser protegidas. E da própria chefia da PF ter transmitido aos delegados e agentes que a deportação não deve ser adotada nesses casos.

A Conatrae reforça, através da nota, que não importa se a atividade é legal ou não ou se a pessoa está ou não em situação ilegal. Também não importa se concordemos ou não com a existência de profissionais do sexo. Se eles forem vítimas, devem ser tratados como tal, sem preconceito ou discriminação, atendendo, dessa forma, aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto