"Carne, Osso", doc sobre o trabalho nos frigoríficos, estreia na TV
Leonardo Sakamoto
03/05/2013 17h26
Quem trabalha em um frigorífico se depara com uma série de riscos que a maior parte das pessoas sequer imagina. Por mais que a exposição a instrumentos cortantes seja o óbvio a se pensar, a realização de movimentos repetitivos – que podem gerar graves lesões e doenças – e a pressão psicológica para dar conta do intenso ritmo de produção são os principais problemas.
Esse é o duro cotidiano de trabalho nos frigoríficos brasileiros de abate de aves, bovinos e suínos que o documentário "Carne, Osso" traz à tona. Ao longo de dois anos, a equipe da ONG Repórter Brasil percorreu diversos pontos nas regiões Sul e Centro-Oeste à procura de histórias de vida que pudessem ilustrar esses problemas. O filme alia imagens impactantes a depoimentos que caracterizam uma realidade que deve ser encarada com a devida seriedade pela iniciativa privada, pela sociedade civil e pelo poder público.
Inédito na TV, o filme será exibido pela primeira vez em rede nacional neste domingo (5), às 20h30, no canal a cabo Globo News. "Carne, Osso" será reprisado às 4h05 da terça-feira (7) – para quem acorda com as galinhas.
O "Carne, Osso" faz parte de uma cobertura da Repórter Brasil sobre a situação trabalhista nas indústrias processadoras de proteína animal. Outra pesquisa resultou no "Moendo Gente", uma investigação multimídia sobre acidentes, doenças e outros problemas decorrentes do trabalho nas indústrias de abate de aves, suínos e bovinos. O site também apresentou as maiores redes internacionais de supermercados e restaurantes abastecidas pelos frigoríficos brasileiros.
O ministro do Trabalho e Emprego, Manoel Dias, assinou, em abril, a Norma Regulamentadora nº 36, que tem o objetivo de melhorar as condições de trabalho em frigoríficos e abatedouros do país. A norma é resultante de discussões e análises feitas por uma comissão tripartite entre o governo e os setores empresarial e trabalhista. Uma das principais exigências da NR é a concessão de pausas aos trabalhadores distribuídas ao longo da jornada diária. O documentário "Carne, Osso", segundo so envolvidos, contribuiu com esse processo.
Alguns depoimentos extraídos do documentário:
Danos físicos e psicológicos
"Cerca de 80% do público atendido aqui na região é de frigoríficos. Ainda é um pouco difícil porque o círculo vicioso já foi criado. O trabalhador adoece e vem pro INSS. Ele não consegue retornar, ele fica aqui. E as empresas vão contratando outras pessoas. Então já se criou um círculo que agora para desfazer não é tão rápido e fácil" – Juliana Varandas, terapeuta ocupacional do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) de Chapecó (SC).
Ritmo frenético
"A gente começou desossando três coxas e meia. Depois, nos 11 anos que eu fique lá, cada vez eles exigiam mais. Quando saí, eu já desossava sete coxas por minuto" – Valdirene Gonçalves da Silva, ex-funcionária de frigorífico
Reclamações curiosas
"Tu não tem liberdade pra tu ir no banheiro. Tu não pode ir sem pedir ordem pro supervisor teu, pro encarregado teu. Isso aí é cruel lá dentro. Tanto que tem gente que até louco fica" – Adelar Putton, ex-funcionário de frigorífico
Problemas com a Justiça
"O trabalho é o local em que o empregado vai encontrar a vida, não é o local para encontrar a morte, doenças e mutilações. E isso no Brasil, infelizmente, continua sendo uma questão séria" – Sebastião Geraldo de Oliveira, desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª região (TRT-3)
Pujança econômica
"Esse é um problema de interesse do conjunto da sociedade, não é só de um setor. O Estado tem que se posicionar. Não se pode fazer de forma tão impune ações que levam ao adoecimento e à incapacidade tantos trabalhadores" – Maria das Graças Hoefel, médica e pesquisadora
Melhorar é possível
"Basicamente, é conscientizar essas empresas para reprojetar essas tarefas. Introduzir pausas, para que exista uma recomposição dos tecidos dos membros superiores, da coluna. Em algumas vai ter que ter diminuição de ritmo de produção. Nós estamos hoje chegando só no diagnóstico do setor. Mas as empresas ainda refratárias a esse diagnóstico" – Paulo Cervo, auditor fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE)
Prêmios
Menção Honrosa (EU – OSHA) "DOK Leipzig" 2011 – Alemanha
Melhor Documentário (Júri Popular do DocFAM) "Florianópolis Audiovisual Mercosul" 2011 – Brasil
Seleção Oficial"É Tudo Verdade" 2011- Brasil
Seleção Oficial "FIDOCS" 2011 – Chile
Seleção Oficial "Festival de Gramado" 2011 – Brasil
Ficha técnica – Carne, Osso
Duração: 65 minutos (52 minutos, na versão para TV)
Direção: Caio Cavechini e Carlos Juliano Barros
Roteiro e edição: Caio Cavechini
Fotografia: Lucas Barreto
Pesquisa: André Campos e Carlos Juliano Barros
Produção Executiva: Maurício Hashizume
Realização: Repórter Brasil, 2011
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.