Jornalista fica três dias preso. "Bad boy" chora e é liberado
Leonardo Sakamoto
20/06/2013 15h17
O jornalista Pedro Ribeiro Nogueira, que cobria a manifestação contra o aumento nas passagens do transporte público de São Paulo, foi cercado e surrado por um grupo de policiais militares ao tentar proteger outras pessoas na terça, dia 11 de junho. Detido às 22h, na 78a Delegacia de Polícia, onde ficou sabendo que havia sido indiciado por dano ao patrimônio público e formação de quadrilha, acabou transferido para a 2a DP. Não lhe deram o direito de fazer o exame de corpo de delito. Ignoraram um vídeo que correu a internet em que a versão dele é corroborada e no qual aparece sendo violentamente espancado (abaixo). Por conta de muita pressão social e da competência de seus advogados, um juiz decidiu pela soltura, que veio a ocorrer às 16h20 da sexta (21). Mas é uma liberdade provisória, com restrições: não pode sair de casa das 20h às 6h e deixar a cidade. Vale ressaltar que o Ministério Público defendeu a sua permanência na cadeia. Ele ainda terá que responder pelos crimes do qual foi acusado.
Fonte: Centro de Mídia Independente (CMI)
O estudante de arquitetura Pierre de Oliveira incitou pessoas que protestavam diante da Prefeitura de São Paulo a depredarem o prédio – durante ato contra o aumento na tarifa do transporte público nesta terça (18). Vestindo uma máscara contra gás lacrimogênio, ele quebrou vidros, agrediu guardas e tentou invadir o prédio. Ele fez parte de um grupo que também ameaçou os próprios manifestantes que usaram seus próprios corpos em um cordão humano a fim de defender a sede do governo paulistano. As imagens da depredação correram a internet e ele acabou sendo identificado. Entregou-se após ter sido procurado em casa. Pediu desculpas pelo ocorrido e chorou ao depor. O delegado o considerou arrogante: "achou que era o dia dele e começou a quebrar tudo". Ele foi indiciado por dano ao patrimônio público e liberado após prestar depoimento. A juíza negou prisão temporária por formação de quadrilha, apesar do pedido da polícia.
Pedro, que foi trabalhar para reportar à população o que estava acontecendo e defendeu manifestantes de sofrerem violência, foi espancado e ficou três dias detido apesar das imagens mostrarem que ele nada fez. Pierre, que incitou violência, apavorou os presentes e desancou a fúria sobre o patrimônio público, foi embora, apesar das imagens que mostrarem que ele fez tudo.
Sei que há diferenças judiciais entre os casos. E – pelas divindades da mitologia cristã! – não defendo que Pierre sofra o que Pedro sofreu. Mas é completamente ridículo que Pedro tenha sido vítima de brutal injustiça, tendo seus direitos enterrados e sido acusado no melhor estilo de "O Processo", de Kafka.
Pedro apanhou porque era jornalista e a polícia desceu, sistematicamente, a porrada em jornalista até o dia 13, quando isso transbordou e sujou o chão da sala, com colegas de grandes empresas de jornalismo entre os feridos e presos. Pierre se beneficiou do "monitoramento à distância" da Polícia Militar que demorou para se mexer enquanto pessoas que não eram manifestantes faziam o que queriam no Centro de São Paulo.
O ato desta quinta será de festa para quem se conscientizou e foi às ruas por seus direitos e viu sua reivindicação atendida com a revogação do aumento do valor da passagem. Mas também de reflexão. Sobre o nosso poder real, muitas vezes esquecido. E sobre o comportamento do poder público que deveria proteger, mas ataca as liberdades de seus cidadãos. Pois um governo decente é aquele que respeita a liberdade de imprensa, mas também a liberdade de expressão.
Entidades divulgam nota de repúdio
Na tarde desta quinta (20), organizações sociais de defesa à liberdade de imprensa e direitos humanos deram uma coletiva à imprensa no Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo, manifestando repúdio à violência contra jornalistas e manifestantes. Cobraram medidas concretas para apuração das responsabilidades. Segue a nota pública assinada, entre outros, pelo Aprendiz, Artigo 19, Conectas Direitos Humanos, Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, Intervozes, Repórter Brasil e Repórteres sem Fronteiras.
As organizações de jornalistas e de defesa de direitos humanos abaixo assinadas, preocupadas com a garantia da liberdade de imprensa e da liberdade de manifestação e expressão, vêm a público manifestar:
O repúdio às graves violações a direitos de liberdade de imprensa e de manifestação e expressão em virtude da violência policial ocorrida nos recentes protestos pela redução da tarifa de transporte, que só em São Paulo resultou em mais de vinte jornalistas feridos e dois jornalistas presos. Entendemos que a violência se deveu não apenas a abusos individuais, mas foi incentivada por declarações de autoridades públicas e inclusive de editoriais de opinião dos próprios órgãos da imprensa em defesa da forte repressão à manifestação;
A preocupação com aumento dos casos de ameaças a jornalistas por parte de integrantes da Polícia Militar, agravada pelo medo que impede os profissionais em dar encaminhamento às denúncias;
O repúdio a todas as tentativas de dificultar e impedir o trabalho de cobertura jornalística dos eventos, inclusive aquelas promovidas pelos próprios manifestantes.
Nesse sentido, reivindicamos as seguintes ações:
• Identificação e responsabilização dos responsáveis por todas as agressões ocorridas nas recentes manifestações;
• Garantia da liberdade de manifestação, com revisão das doutrinas, manuais e procedimentos para uso de armas menos letais;
• Criação de Grupo de Trabalho em âmbito estadual em São Paulo para adoção de medidas específicas de proteção à liberdade de imprensa, com sugestão de participação da Secretaria de Segurança Pública, Polícia Militar, Sindicato dos Jornalistas e organizações da sociedade civil.
As organizações também consideram fundamental o acompanhamento do Grupo de Trabalho sobre proteção a jornalistas da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República e a denúncia dos casosàs relatorias de liberdade de expressão da OEA e da ONU.
Salientamos, por fim, que a violência contra jornalistas e comunicadores atenta não apenas contra os profissionais e veículos envolvidos, mas contra o direito de toda a sociedade a ser informada, configurando-se, na prática, como uma forma de censura.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.